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O peso da régua

No seu discurso, na cerimónia militar do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, este ano em Peso da Régua, o Presidente da República procurou inspiração no Douro, que invocou, e falou nos “interiores esquecidos” num país muito centralista. Assumiu fragilidades, indicou desafios e insistiu na necessidade de sermos persistentes e de “plantarmos, semearmos, podarmos e de cortarmos os ramos mortos que atingem a árvore toda”, uma afirmação que teve muito peso numa cerimónia em que o povo recebeu com vaias João Galamba, o intocável ministro socialista que levou António Costa a enfrentar e a desafiar Marcelo Rebelo de Sousa provocando uma tensão política que se instalou e que as palavras do Presidente da República não disfarçam, por mais que diga que “não falou para nenhum caso específico”.

Todos sabemos que Marcelo Rebelo de Sousa sabia muito bem a interpretação e o impacto que teriam as suas palavras no quadro político atual e, mesmo assim, não se conteve. É evidente que a mensagem abstrata foi muito incisiva, objetiva e concreta, embora seja também muito mais ampla, pois, no panorama político atual, passeiam muitos “ramos mortos”, o que é absolutamente assustador e obriga a que a sociedade esteja atenta e não se deixe embalar por lagartixas e crocodilos embalsamados, alguns de lágrima fácil, antes do golpe fatal que adia e compromete o futuro. Precisamos muito do envolvimento cívico de todos e precisamos de uma sociedade cada vez mais exigente, mais atenta, livre, firme e impiedosa na crítica, na indignação e na reação democrática massiva que ajudará a varrer o lixo e a eliminar tudo o que é tóxico e mau.

É curioso que, depois daquela cerimónia, na qual se celebra Portugal, o primeiro-ministro sentiu necessidade de ir às redes sociais dizer que “foi muito bom sentir o carinho da população”, precisamente quando acabara também de se deparar com uma manifestação de docentes com cartazes com a sua cara caricaturada com focinho de porco e dois lápis enfiados nos olhos, facto que levou António Costa a reagir de forma absolutamente despropositada acusando os professores de “racismo”.

O primeiro-ministro que chamou “gajos cobardes” aos médicos e que já não se tinha contido perante um idoso no Terreiro do Paço a quem, exaltado, chamou “mentiroso”, continua a dar sinais de nervosismo, de agressividade e de intolerância, enquanto mantém uma estrutura governativa partidária podre, prepotente e incompetente que afunda o país e que continua a atacar todas as classes profissionais, agora com a revisão dos estatutos das Ordens.

Sobre os cartazes, o Presidente da República reagiu e diz que “não teria ficado ofendido”. Como escreve o Conselheiro Ireneu Cabral Barreto, na linha da jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, “o homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus atos e gestos (…) e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando ele próprio produz declarações públicas que se prestam à crítica”. Esteve, pois, muito mal o primeiro-ministro em mais um episódio infeliz. E, a este propósito, devo aqui dizer que é curioso que normalmente os que lidam mal com a crítica leal são aqueles que lançam os maiores e mais covardes ataques pessoais, muitas vezes usando páginas institucionais. Enfim, perdoai-lhes Senhor porque são fracos e pequenos!

Parece-me evidente que a régua (na Camacha era um vime grosso) do Professor Marcelo voltou a ter muito peso. E que, enquanto houver “ramos mortos”, o povo livre terá sempre o direito reforçado de ir ao limite da crítica e da reação. O povo verdadeiro e não meia dúzia de capangas de movimentos sem identidade, sem ideologia e sem qualquer representatividade substantiva.