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Santos Silva considera que nunca como no presente os deputados trabalharam tanto

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O presidente da Assembleia da República defendeu hoje que nunca como atualmente os deputados trabalharam tanto, num discurso em que também alertou para os desafios que a inteligência artificial coloca aos padrões éticos inerentes às democracias.

Estas posições foram transmitidas por Augusto Santos Silva na abertura da conferência internacional dedicada ao tema "Literacia digital: por que importa para a Democracia Representativa", iniciativa da Assembleia da República, que decorre até sábado.

Na sua intervenção, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros sustentou que a instituição parlamentar oferece atualmente níveis de transparência sem paralelo, ultrapassando a maioria das entidades públicas, incluindo o Governo.

Este facto, na sua perspetiva, "é particularmente relevante para contrariar um falso, mas comum, argumento populista sobre a inutilidade dos parlamentos: De facto, os deputados nunca trabalharam tanto".

"É o que se depreende do aumento significativo do número de projetos de lei apreciados, de leis aprovadas, de resoluções adotadas, de votações aprovadas, de debates realizados, bem como do tempo despendido nas sessões plenárias e nas comissões", justificou o presidente da Assembleia da República.

A seguir, no entanto, Augusto Santos Silva advertiu que, em paralelo com o aumento dos níveis de transparência, também se tem verificado que a transmissão televisiva das reuniões das comissões introduziu "um incentivo para os grupos políticos se envolverem em intervenções mais conflituosas, limitando assim o potencial de entendimento mútuo e de consensos".

"O drama tende a prevalecer sobre o debate racional e a deliberação. Assim, temos de refletir sobre a forma como podemos equilibrar, nesta nova sociedade digital, as duas atitudes de que necessitamos: Responsabilidade e sentido de compromisso", advogou.

No seu discurso, o presidente da Assembleia da República considerou que os parlamentos devem estimular a participação cívica, ressalvando neste ponto, porém, que essa participação "não pode ser o instrumento daqueles que já estão integrados no sistema político, nem o privilégio dos mais instruídos, abastados ou familiarizados com as tecnologias digitais".

As tecnologias de informação e comunicação (TIC), salientou o ex-ministro socialista, "são meios formidáveis de registar, difundir e receber informação, e as redes sociais e as plataformas digitais multiplicam quase ad infinitum a capacidade de dar voz e comunicar".

"Podem ser utilizadas para capacitar as pessoas, modernizar as instituições e fomentar a participação e o controlo democráticos, mas também podem ser mal utilizadas para manipular a opinião pública, transmitir desinformação, disseminar preconceitos e perturbar a base comum das democracias liberais. O mesmo se aplica à inteligência artificial", alertou.

Para o presidente da Assembleia da República, a inteligência artificial representa mesmo "um desafio significativo para a democracia", exigindo capacidade de acompanhamento da sua rápida evolução e uma avaliação relativa à necessidade de regulamentação.

"A dignidade humana, o debate público, o bem comum, a distinção entre logos e pathos, a distinção entre verdade e falsidade e os padrões éticos estão no cerne da democracia. E a inteligência artificial deve ser utilizada para os promover e não para os pôr em perigo", acentuou.

Neste quadro, na perspetiva do deputado do PS e ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, é fundamental compreender que não se pode ver na transição digital apenas uma enorme oportunidade.

"A transição digital é também um processo a questionar do ponto de vista dos valores e princípios democráticos", acrescentou.