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Praia Formosa, não segura. A Praia dos novos Corsários

Dela para ocidente, passando e dobrando a ponta da Cruz, pouco menos de uma légua está a praia que se chama formosa, por não haver outra semelhante em toda a ilha, como um quarto de légua de areia (Gaspar Frutuoso, pag 117, Saudades da Terra)

A Praia Formosa, localizada a oeste do Concelho do Funchal no século XVI, foi sujeita a desembarque de corsários franceses que atacaram a cidade, saqueando as igrejas e outros espaços durante mais de um mês.

Na década de 80 do século XX, a Praia Formosa era um local de extração de areias e pedras para serem utilizadas na construção do porto do Funchal.

Aqui trabalhava no duro, desde o nascer até o pôr do sol, nas furnas cavadas nas rochas da praia, o povo pobre e sofredor, comendo milho cozido e uns chicharros fritos quando havia ou cebola avinagrada com couves cozidas e figos roubados nas encostas e tabaibos dos socalcos das propriedades dos ricos.

Era a miséria do povo, dos que trabalhavam para os senhorios da “Madeira velha” do Hinton, do Blandy, dos Welsh … Gente de mãos calejadas e com enormes dores nas costas cavavam as bananeiras, as canas de açúcar, e para terem força comiam uma sopa pelas nove da manhã, punham os filhos a mondar as terras e a trazer o garrafão de vinho seco. Pelas 3 horas da tarde voltavam a comer, por vezes algum pescado que dividiam pelos amigos, umas lapas e uns facaios, e sempre uns cagões estes apanhados de peneiros.

Mesmo os ricos da quinta de cima do senhor engenheiro (eles que eram pintores escultores e intelectuais) referiam ao tempo (1954) que havia uma praia de calhaus a que chamavam formosa que havia uma casa e um galinheiro, e uns miseráveis a viver mesmo em cima da praia ou dentro das furnas sem água potável ou energia eléctrica.

Havia noites de trovoada em que se aprendia a contar o tempo, entre o tempo do relâmpago e o do trovão.

Havia tanta bananeira e cana de açúcar, mas ninguém quer saber porque foi abandonada a produção e, quais os impostos pagos por este abandono da produção agrícola apesar dos donos capitalistas e ditos ambientalistas (alguns ditos associados de organizações defensoras do ambiente) nada fizerem para combater esta desgraça, pelo contrário usaram a política para influenciar as decisões e receberem em troca muitos milhões.

Ai povo enganado, levanta-te do chão e diz não à especulação.

Em dias de levadia eles, ouviam o baralho do mar a arrastar pelos calhaus. Rolava dia e noite e séculos, até que bocados de basalto ficavam lisos e macios, mas os miseráveis, já não tinham ouvidos para sentir o ruído e suas mãos estavam enrugadas do frio, de rolar as rochas para apanhar caramujos nas noites de luar.

Mas os que residiam na Praia Formosa, os que trabalhavam nos seus bocadinhos de terra sofriam na pele as agruras do tempo. Eram os pequenos caseiros, eram os que trabalhavam à jorna, gente que foi obrigado a sair da terra para que a burguesia abandonasse tudo até à espera de serem podres de ricos com a negociata da Praia Formosa.

A parteira Conceição da Rês, ia assistir e intervir no parto da mulher do Janeiro, que tanta miséria tinha, que algumas vezes deitava bombas de trotil ao mar para obter mais peixe para alimentar a família e pagar as dívidas. A parteira recebia os seus honorários do trabalhos de parto em espécie, peixe, pota e gaiado seco. O Machete tratava das terras do cabrestante do Blandy e ao fim da tarde ia pescar. O Senhor Gabriel, do fundo da praia, geria as terras dos outros para alimentar a filharada. Os primos Ramos tratavam dos seus bocados de terra com esforço e mais tarde foram expropriados para servir os interesses da Shell. O Sidónio fartava-se de trabalhar. Os trabalhadores emigraram para Argentina, Austrália, África do Sul, França, Holanda, Inglaterra, Venezuela, e muitos por essas bandas do mundo, ficaram sempre com saudades da terra. A que propósito não se expropriam os terrenos, por utilidade pública, e se cria a Cidade da Juventude na Praia Formosa?

Agora os corsários são de outro tipo: são fundos de investimento, são especuladores financeiros estão associados aos políticos poderosos (até um dia) a construtores de gabarito que ali vão construir mais de 1000 apartamentos cujo valor de venda ronda um milhão de euros por apartamento.

É necessário acabar com a prepotência. O empobrecimento da classe média e a concentração da riqueza motivam alerta dizem os responsáveis por esta política mas nada fazem para alterar a situação. A Praia Formosa dos descobridores da Madeira deve ser devolvida ao povo, deve ser preta e livre, deve ser o lava pés dos fracos, dos humildes e os espaços verdes de recreio e lazer ao serviço de todos.