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Estar presente ou dar presentes

Chegamos à época do glitter, dos balanços e do traçar de metas para o ano que aí vem. Poderia falar sobre acontecimentos mundiais, nacionais e regionais relacionados com os direitos humanos, com a igualdade e com a violência, como já fiz em artigos anteriores. Poderia repetir o que já foi escrito por tantas pessoas. Mas decidi escrever algo diferente, mais pessoal.

Vivemos numa sociedade onde as aparências “importam”. Onde os julgamentos pré-concebidos são uma constante infeliz. Onde nem sempre a verdade corresponde às fotografias, expostas nas redes sociais. Onde é quase obrigatório provar o nosso valor e conquistar território. Onde o sucesso deve ser a meta principal a alcançar e quase não se dá espaço para falhar e aprender com os erros.

Muitas vezes, esquecemo-nos de nós. Da nossa essência. É, por vezes, mais fácil ir ao sabor da corrente e fazer igual às outras pessoas para não sofrer discriminação, mesmo que não nos identifiquemos. Quando trabalhamos por causas, é ainda mais fácil esquecermos as nossas necessidades individuais. A qualquer momento, temos que intervir, muitas vezes sobre temas duros e pesados, mas necessários, temos que pensar no coletivo e, quando acumulamos também responsabilidades de liderança, temos que gerir tudo o que nos rodeia. Quando trabalhamos em ONGs, é também difícil desligar o interruptor do modo profissional e descansar plenamente.

E vamos deixando arrastar no tempo, acumulando, por vezes, cansaços e frustrações. Especialmente quando falamos de mulheres, às quais é “exigida” a máscara de mulher guerreira e capaz – também por outras mulheres. Temos que dar conta de tudo: da maternidade (quando somos mães), das tarefas domésticas, das responsabilidades enquanto cuidadoras, do trabalho, do ativismo, dos imprevistos que surgem, etc., etc..

Nesta época natalícia que já se iniciou, questiono-me muitas vezes se o mais importante é dar e receber presentes, ou estar presente. Emocionalmente presente, e não apenas para as selfies, e pouco mais. Os Natais com mais significado para mim não foram aqueles onde recebi mais presentes. Foram aqueles onde o amor e a felicidade, por estarmos juntos e saudáveis, por termos comida na mesa com aromas característicos da época, e enfeitarmos um pinheiro demasiado grande para a minúscula casa onde vivíamos, superou quaisquer dificuldades económicas. Estas recordações vingam no tempo e fazem com que as memórias de partilhas com quem já não está cá fisicamente, perdurem.

Eu tive a sorte de ter nascido numa família fora da caixa, que me permitiu enquanto criança, brincar com de tudo um pouco. Brinquei com carrinhos e pistas telecomandadas. Bonecos da Playmobil. Pelo meio, Barbies, também, uma boneca de pele escura oferecida pela minha mãe, e “bebés chorões” pelas tias. Jogos de tabuleiro, como o Trivial Pursuit, o Cluedo e o Monopólio. Esfolei os joelhos a jogar à bola e brinquei com soldadinhos nos poios das bananeiras da avó. Joguei em consolas e computadores. Vi filmes de ficção científica, e só tinha medo do Godzilla em desenhos animados. Li livros de vários géneros literários. Acompanhei a série Cosmos com paixão. Questionei o que fui vendo e aprendendo. Tive conversas filosóficas com o meu pai, sobre a vida na Terra e o Universo. Enfim, fui uma criança feliz, embora do ponto de vista material não tenha tido os tais presentes caros da moda. Nunca me faltou calor humano. Deveria ser assim com todas as crianças, para que pudessem desenvolver os seus dois hemisférios cerebrais, sem estereótipos e com amor e carinho. Presencial.

Faz falta esta leveza, também fora das épocas festivas. A leveza de simplesmente Ser, sem necessariamente mostrar ou Ter. Este convívio que vai muito além dos retângulos digitais, das fachadas e das obrigações profissionais. Tendo em conta que, acima de tudo, somos seres humanos com necessidades emocionais e pessoais, e precisamos de manter a nossa criança interior viva. Adaptando-nos aos altos e baixos da vida. Que tenham umas excelentes Festas!