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Médicos e a (não) escolha da especialidade

No passado mês de Novembro, cerca de 3.000 médicos recém-formados tiveram a possibilidade de escolher a especialidade e hospital/centro de saúde onde realizariam o seu internato médico.

Anualmente, o Serviço Nacional de Saúde abre vagas em diversas especialidades médicas e cirúrgicas, como Estomatologia, Dermatologia, Cirurgia Geral, Saúde Pública, Medicina Interna, Medicina Geral e Familiar, entre outras. Este ano abriram 2.248 vagas, o “maior número de vagas de sempre” como gabou o Ministro da Saúde.

Destas 2.248 vagas, 407 ficaram por preencher!... e parece ser uma tendência crescente, já que em 2021 sobraram 51 vagas e, em 2022, ficaram 161 por preencher!

Dos 3.000 candidatos, apenas 1.841 (61%) decidiram escolher uma vaga e iniciar o seu internato médico, numa especialidade qualquer, em 2024. Os restantes 1159 candidatos (39%) manter-se-ão a realizar trabalho contratado (vulgo tarefeiros), ou emigrarão, ou realizarão outra atividade fora da medicina.

As especialidades mais afectadas, de longe, foram a Medicina Geral e Familiar, com 165 vagas por preencher e Medicina Interna com 144. Acresce-se ainda Anatomia Patológica (2 vagas), Infecciologia (8 vagas), Farmacologia Clínica (3 vagas); Genética Médica (2 vagas); Hematologia (13 vagas); Imuno-Hemoterapia (16 vagas), Medicina Intensiva (9 vagas); Medicina Legal (2 vagas), Oncologia (1 vaga); Patologia Clínica (21 vagas); Radioncologia (2 vagas); Saúde Pública (18 vagas) e Estomatologia (1 vaga).

A região mais afectada foi Lisboa e Vale do Tejo, com cerca de 44% das vagas por preencher. Mas, também na Madeira, das 56 vagas atribuídas, 16 ficaram por preencher: 1 em Anatomia Patológica; 1 em Infecciologia, 4 em Medicina Interna; 7 em Medicina Geral e Familiar; 2 em Medicina Intensiva e 1 em Saúde Pública.

Isto é muito preocupante! Não são só os médicos que deixam diariamente do Serviço Nacional de Saúde. São também aqueles que não querem sequer realizar a sua formação lá, sobretudo em especialidades críticas e cruciais como a Medicina Interna, pilar principal em qualquer hospital, e Medicina Geral e Familiar. Não querem ser escravos da crónica boa gestão (ironia) da saúde em Portugal.

São várias as explicações para este cenário, entre as quais: 1) o salário, as más condições e falta de competitividade do Serviço Nacional de Saúde, onde o trabalho extraordinário é regra… 2) os preços pornográficos do mercado imobiliário (mesmo na Madeira, é muito difícil um jovem médico comprar ou alugar casa… que tal, em vez do bónus salarial, facultarem habitação para os médicos em formação? Com o PRR, por exemplo.); 3) a demasiada selectividade dos médicos (não podemos ser todos oftalmologistas, dermatologistas e cirurgiões plásticos...).

O povo não pode ir na ladainha da quantidade! Não podemos ter um governo que continua com a bandeira de “a minha é maior que a tua!”. António Arnaut, pai do Serviço Nacional de Saúde, certamente não perspetivava que o governo abandonasse e deixasse falecer, de forma lenta e dolorosa, o seu ainda jovem filho.

Sem condições de trabalho, sem reconhecimento e dignidade pela profissão, não há médicos. Sem médicos não há saúde em Portugal! Chega de incompetência nos comandos deste país!