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Dedicação Plena na destruição do SNS

Após quase ano e meio de negociações com os sindicatos dos médicos (e ainda sem acordos à vista…), no passado mês de Setembro, o ministério da saúde decidiu apresentar as propostas referentes ao regime de “Dedicação Plena”.

Então em que consiste esta coisa da dedicação plena?

Se for médico de família, a coisa até parece ser agradável… todos os centros de saúde pagarão consoante o desempenho do médico, e as USF modelo B terão um aumento de 12%.

Agora… se for médico hospitalar… a coisa é mais chata. Trabalhará até 9 horas por dia; será obrigado a realizar, no mínimo, 250h extra por ano; perderá o direito ao descanso compensatório por trabalho noturno e continuará a fazer 18h de urgência por semana. Mas, se não quiser fazer urgência, pode sempre optar por trabalhar ao sábado, como num dia normal! Vá… nem tudo é mau… se for especialista, terá um aumento de 30%, mais coisa menos coisa… Para os quase estagiários do SNS (internos), o aumento será de uns gritantes 2 a 10%.

Portanto, a forma de melhorar as condições dos médicos do SNS é piorando as suas condições de trabalho. É agora que os médicos hospitalares não terão que se preocupar com a vida social ou familiar… não a terão! Vejam assim, agora não precisam de inventar uma desculpa para não ir ao aniversário de um sobrinho, ou ao casamento de um amigo… nem tudo é mau (ironia)…

É assim que Costa e Pizarro querem reter médicos no setor público… Fazendo com que continuem a trabalhar mais 5h por semana que os restantes funcionários do estado (o que faz mais 6 semanas de trabalho), somando as 250h extra que querem que passemos a fazer (mais 7 semanas e pouco). Fazendo as contas, são mais 3 meses de trabalho face aos restantes funcionários públicos… Segundo o Ministério da Saúde e INE, em 2022, cada médico fez, em média, 470 horas extra.

Perante estas condições, não é de admirar que, todos os anos, vários médicos troquem o público pelo privado, ou vão para fora! E com isso, quem mais sofre são os doentes!

Por ideologias e iluminadas propostas vindas destes que trabalham para o voto e não para o bem comum, a saúde portuguesa continua “plenamente dedicada” a definhar. “Pelos caminhos de Portugal” continuam grávidas, crianças e idosos a percorrer vários quilómetros, estilo peregrinos, à espera do milagre de encontrar Nosso Senhor Doutor, capaz de os auxiliar e eliminar as mágoas… Continuam várias urgências fechadas por falta de médicos que se recusam a trabalhar mais que as 150h extra obrigatórias; as que mantêm as portas abertas, como é o caso do Hospital Santa Maria (que já começa a recusar doentes), conseguem à custa de médicos com pouca experiência… as listas de espera para cirurgias e consultas continuam a aumentar (mesmo para doentes oncológicos e graves, o tempo de espera supera o péssimo)… as urgências mantém-se entupidas com doentes não graves, por falta de médicos de família, atrasando os cuidados para doentes realmente urgentes… relembro que António Costa prometeu médico de família para todos os portugueses no primeiro mandato (já vão 3!).

E senhor ministro da saúde, apelar à deontologia e ao sentido de obrigação de serviço só demonstra que não é capaz, não sabe, ou não quer resolver este problema… há muito que o SNS estaria nas lonas se os médicos não ligassem ao seu Juramento de Hipócrates e ao seu código deontológico.

O SNS está muito mal, e é emergente repensá-lo profundamente. Costa e Pizarro, com propostas destas, demonstram que estão plenamente dedicados a destruir o pouco que resta dele…