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Do que se tem dito sobre aquacultura marinha ... de fontes seguras

Um dos maiores desafios societais do nosso tempo é, sem sombra de dúvidas, o de providenciar suficiente alimento a uma população mundial em crescimento, de cada vez maior concentração em zonas urbanas e melhoria de rendimento económico, o mesmo que dizer, de maior procura e exigência na satisfação por alimentos. A questão é tão mais premente de resolução, quando é expectável que as alterações climáticas irão acelerar a degradação de alguns recursos naturais essenciais, nomeadamente, a redução dos recursos de água “doce” e desertificação de extensas áreas terrestres actualmente férteis.

O mar, cobrindo cerca de 71% do planeta Terra e constituindo ainda aproximadamente 97,5% de toda a água disponível, apresenta um enorme potencial para a produção de alimentos. A exploração directa dos recursos através da extração (pescas, apanha de algas, etc.) para a alimentação humana está a atingir os seus limites. A Aquacultura por sua vez, tem tido um grande incremento de produção e já em 2012 igualou as descargas mundiais de pescado usado na alimentação humana (1). A Região Autónoma da Madeira, apesar do exíguo território terrestre, tem um grande potencial de desenvolvimento desta actividade na sua componente de culturas flutuantes de peixe em mar aberto, comprovado por um projecto piloto na Baía de Abra e mais tarde tornado realidade por empreendimentos privados (2) (3). Convém que as discussões em volta do tema sejam sérias, construtivas, com dados e conceitos de fontes seguras e credíveis, para consolidar o crescimento desta actividade de forma sustentável, do ponto de vista económico, social e ambiental. O glossário abaixo pretende tão somente ser uma modesta contribuição nesse sentido:

Avaliação de impacte ambiental (AIA) - As empresas a operar na Madeira em aquacultura marinha na zona costeira com estruturas flutuantes são de pequena e média dimensão no contexto europeu. O total da produção das 3 pisciculturas da Região em 2019 foi de 1075 toneladas de dourada (DN, 10 fevereiro). Empreendimentos desta natureza e dimensão não são considerados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, de acordo com o Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, que transcreve a Directiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente. A AIA é obrigatória para um projecto de estabelecimento marinho com produção igual ou superior a 1000 toneladas.

Diversificação económica - Numa região com crises de subsistência no passado causadas pela monocultura na área agrícola (ler Camponeses da Madeira, de Jorge Freitas Branco, Pub. D. Quixote, 1987; As crises de subsistência na História da Madeira, de Rui Nepomuceno, Ed. Caminho, 1994), dever-se-ia procurar a diversificação económica, para uma base alargada de maior prosperidade dos que aqui vivem e para em contexto de crise ter uma economia mais resiliente. É disso que dão conta os documentos de desenvolvimento estratégico da Região (4).

Emprego e salários - A aquacultura é uma das actividades reconhecidas pela FAO e pela UE que contribuem para a criação de emprego em zonas rurais e costeiras (3). Mais, em Portugal, em 2014 (últimos dados disponíveis) o salário médio anual na produção de dourada era de 13.900 euros anuais (5), significativamente superior ao salário mínimo de então.

Hormonas nos alimentos dos peixes - A Directiva 2003/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2003, que altera a Directiva 96/22/CE do Conselho, proíbe em toda a UE a administração de substâncias a animais de exploração para estimular o crescimento.

Medicamentos nos alimentos dos peixes - Os alimentos compostos, vulgo rações, usados correntemente nas pisciculturas, são alimentos completos que satisfazem as necessidades da espécie de peixe, em cada fase de vida e não contêm medicamentos. A alimentação medicamentosa só pode ser prescrita pelo médico veterinário assistente da exploração, através de receita do médico veterinário ser adquirida a empresa licenciada para o efeito e também preparados/produzidos por fabricante de alimentos medicamentosos licenciado. Todo o processo, desde a prescrição de receita, à aplicação do medicamento aos peixes é obrigatoriamente registado e reportado à Autoridade Veterinária, que procede ao seu controlo, da produção até à colocação no mercado, para assegurar a proteção da saúde pública humana e proteção da saúde e bem-estar animal, de acordo com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 151/2005, de 30 de agosto.

O Mar é de todos - O mar é um bem comum, para todos nós dele usufruirmos e tirarmos o melhor proveito e o deixarmos incólume às gerações vindouras. Só o conseguiremos se definirmos à partida, com estudos técnicos e científicos, as áreas de maior potencial para as actividades económicas e sociais, bem como, as áreas de interesse para a conservação, para as integrar, todas, de forma compatível, em planos de ordenamento e com regras de gestão. Estes princípios constam da Lei n.º 17/2014 de 10 de abril, que estabelece as bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional e que determina a existência de áreas de uso comum e outras, de utilização privativa.

Poluição - Veja AIA. Se ainda tem dúvidas sobre o tema, lembre-se do historial de duas pisciculturas regionais, em cenários de enquadramento visual idílico, com praias e actividades de banhistas próximas e sem reclamações ou incidentes ambientais: Baía de Abra, desde 1996 e Campanário, desde 2004.

Zona de Interesse para a Aquacultura (ZIA) - Zona selecionada através de estudo científico como apropriada para a produção de aquacultura, compatível com outras actividades económicas e sociais (zonas de servidão do aeroporto e dos portos, zonas de extração de areias, emissários submarinos, outras) e áreas de conservação (6). As ZIA constam do POAMAR Plano de Ordenamento da Aquacultura na RAM, onde também se definem regras de gestão no seu uso e corredores de passagem (Resolução do Governo Regional n.º 1025/2016, de 28 de dezembro). As ZIA integram o Plano de Situação do Ordenamento Espacial Marítimo para as subdivisões Continente, Madeira e Plataforma Continental Estendida, compatibilizadas com áreas contíguas de reservas, extração de areias e outras (Resolução do Conselho de Ministros n.º 203-A/2019, de 30 de dezembro.).

Dourada da Madeira - A dourada é a espécie mais produzida em aquacultura na Madeira. É uma óptima fonte de ácidos gordos polinsaturados ómega 3, tal como outras espécies pescadas na Região (7). Estes ácidos gordos são fundamentais para o desenvolvimento do sistema nervoso central e associados a prevenção de doenças cardiovasculares (8). A elevada qualidade e frescura da dourada da Madeira é reconhecida pelo mercado, pelo que se fizer uma pesquisa verificará que ela se distingue pelo preço mais alto.

(1) FAO (2016). The State of World Fisheries and Aquaculture, 2016. Contributing to food security and nutrition for all. Rome. 200 pp. http://www.fao.org/3/a-i5555e.pdf

(2) Andrade, C.A.P. & N.M.A. Gouveia (2008). Ten years of marine aquaculture in Madeira archipelago. Pp. 30-32 in: Pham, C.K., R.M. Higgins, M. De Girolamo & E. Isidro (Eds). Proceedings of the International Workshop: Developing a Sustainable Aquaculture Industry in the Azores. Arquipélago. Life and Marine Sciences. Supplement 7: xiii + 81 pp.

(3) DGRM (2014). Plano Estratégico para a Aquicultura Portuguesa 2014-2020. Direção Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos. Ministério da Agricultura e do Mar, Portugal. 85pp.

(4) Instituto de Desenvolvimento Regional (2013). Compromisso Madeira @ 2020. Documento de Orientação Estratégica Regional. Edição IDR, IP-RAM. 55pp. http://www.idr.gov-madeira.pt/compromissomadeira2020/regionais/Documento_de_Orientacao_Estrategica_Madeira_2020.pdf

(5) Scientific, Technical and Economic Committee for Fisheries (2016). Economic Report of the EU Aquaculture Sector (EWG-16-12). Publications Office of the European Union, Luxembourg; EUR 28356 EN; doi:10.2788/677322

(6) Torres C., Andrade, C. (2010). Spatial decision Analysis Process for selection Marine Aquaculture suitable zones: The example of Madeira Island. Journal of Integrated Coastal Zone Management, 10(3): 321-330.

(7) Nogueira, N., N. Cordeiro, M. J. Aveiro (2013). Chemical Composition, Fatty Acids Profile and Cholesterol Content of Commercialized Marine Fishes Captured in Northeastern Atlantic. Journal of FisheriesSciences.com, 7(3): 271-286. DOI: 10.3153/jfscom.2013029.

(8) Kris-Etherton, P. M., Harris, W. S., Appel, L. J. (2002). Fish Consumption, Fish Oil, Omega-3 Fatty Acids, and Cardiovascular Disease. Circulation Journal of the American Heart Association, 106. 2747-2757. DOI: 10.1161/01.CIR.0000038493.65177.94.

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