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Crónicas

Língua Portuguesa, da saudade à diplomacia

Eu, que vivi em Moçambique e passei algum tempo no Brasil, sempre vi com tristeza a política expansionista de outros países

No passado dia 5 de Maio, comemorou-se pela primeira vez na UNESCO o “Dia da Língua Portuguesa”. Data que era já timidamente comemorada, juntamente com a cultura Lusófona pela CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Embora com as restrições infligidas por esta época atípica em que nos vimos mergulhados, o mero facto de ser assinalada internacionalmente deve ser motivo para nos debruçarmos sobre o que (não) tem sido feito até aqui e uma oportunidade para que o tema regresse à ordem do dia. Talvez, quem sabe, para que finalmente se desenvolva uma visão estratégica para a proteção e defesa da mesma, que saia efetivamente do papel. Será sempre bom lembrar os mais desatentos que continua a ser a mais falada no hemisfério sul , que conta com mais de 260 milhões de falantes e que se distribui por 5 continentes. Que é a língua oficial da CPLP mas também uma das que representam a Mercosul. Que está, ainda, na base de cerca de vinte línguas crioulas e afirma-se como importante idioma minoritário em países como Andorra, Luxemburgo, Namíbia, Suíça, Venezuela e África do Sul. Uma diáspora rica e universal.

Só quem não viaja pelo Mundo poderá não saber a importância dela. Constantemente desvalorizada e menosprezada por mentes tacanhas e sem visão. Só isso poderá explicar que não se aproveite a sua capacidade histórica, a força que faz unir pessoas e que as relaciona. Que nos dá um poder comunicante único e nos faz chegar a de forma tão efetiva a uma tão vasta população. Fernando Pessoa dizia que era a sua pátria e não se enganava, a sua e de muitos milhões que todos os dias interagem em português. A verdade é que não existe uma estratégia para a promoção da Língua Portuguesa, para difundir o seu ensino como matéria prima para a diplomacia e para a cooperação. Que não se esgote no passado mas construa pontes para o futuro, aproximando os Estados dos cidadãos.

É fundamental começar por aí, pelo ensino. Eu, que vivi em Moçambique e passei algum tempo no Brasil, sempre vi com tristeza a política expansionista de outros países, mais modernos e despertos para esta realidade , ultrapassando vezes sem conta a nossa velhinha e amorfa implantação. Recordo-me, da política fechada da Escola Portuguesa de Moçambique, que ia acumulando listas de espera por não existirem mais do género enquanto ao lado nasciam e cresciam a Inglesa, a Americana , a Francesa, Chinesa, Sul-Africana e mais recentemente Italiana e até a Sueca. Nunca soubemos utilizar o excesso de professores que temos em Portugal dando-lhes incentivos concretos, plasmados em oportunidades para o crescimento da nossa aprendizagem por esse Mundo lusófono. Nem sequer apoiamos de forma incisiva a circulação de estudantes e académicos no estudo do Português. É fundamental preservarmos o nosso património histórico com políticas que a tornem apelativa e que faça valer a pena aprender. Portugal tem que perceber rapidamente que África é o futuro e que é através de uma difusão assertiva e inteligente que podemos almejar sucesso em áreas tão díspares como a cooperação económica e empresarial; segurança alimentar; energia; turismo; ambiente; oceanos e plataformas continentais; cultura; educação; ciência, tecnologia e ensino superior como sempre quisemos.

Também na transição digital existem muitos passos e desafios pela frente. É preciso perceber que vivemos hoje no Mundo do online. Na verdade a maioria das transacções comerciais e uma parte significativa das relações sociais migraram para a rede, onde são mais rápidas e baratas. Também aqui, continuamos excessivamente conservadores. Em 2010, o escritor cabo-verdiano Germano Almeida (Prémio Camões) dizia que os portugueses se achavam “donos da língua”. Não é mentira nenhuma. Nós devemos ser os primeiros defensores dela, mas deixá-la partir para o Mundo. O multiculturalismo que nos caracteriza tem que ser aprofundado de uma forma dinâmica para acolher a diversidade e para derrubar fronteiras. Não nos devemos esquecer que a língua portuguesa sempre foi um veiculo para a paz e para a democracia e também aqui devemos estar mais atentos e activos. Não é normal o que se passa no Norte de Moçambique onde forças terroristas já vitimaram mais de 500 civis. Devemos ser mais solidários e diligentes na defesa dos nossos.A língua é porventura o mais poderoso dos laços que une os povos que a utilizam. Vive na história, na sociedade e no mundo. Não nos esqueçamos que a saudade, (essa palavra de que tanto nos orgulhamos) é o amor que fica. E esse amor que vem plasmado nas nossas expressões merece ser acarinhado. Urge por isso uma verdadeira visão estratégica que honre os nossos princípios, que suporte a nossa diáspora e nos ajude a construir uma política externa que abra caminhos e nos conduza “através da promoção da eficácia, da sustentabilidade e da qualidade das relações de parceria que queremos desenvolver.”

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