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Autoridade de Saúde dos Açores defendeu que requerente de ‘habeas corpus’ não foi detido

Foto ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA
Foto ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

A Autoridade de Saúde dos Açores defendeu, na iniciativa de libertação imediata (’habeas corpus’) de um passageiro que chegou aos Açores, que este não estava detido e veio “voluntariamente” para a região, em contexto de covid-19.

De acordo com o acórdão do Tribunal, a que a Lusa teve acesso, a Autoridade de Saúde advogou, na defesa da quarentena obrigatória em unidade hoteleira, “que o requerente veio voluntariamente para São Miguel sabendo da necessidade de confinamento obrigatório, pelo que não se pode concluir que foi detido, tanto mais que podia ter pedido para regressar ao local de origem, o que não lhe seria negado”.

O requerente do ‘habeas corpus’, vincou a autoridade, não esteve “privado da liberdade”, antes “limitado no seu direito de circulação, o que é permitido no Estado de Calamidade”.

O Tribunal de Ponta Delgada deferiu hoje um pedido de libertação imediata (’habeas corpus’) feito por um queixoso, contra a imposição de quarentena em hotéis por parte do Governo dos Açores.

Em causa está uma iniciativa de um queixoso que foi colocado em quarentena obrigatória numa unidade hoteleira em Ponta Delgada e avançou com um ‘habeas corpus’, que foi entregue à juíza de instrução criminal do Tribunal de Ponta Delgada que, por seu turno, desencadeou os mecanismos legais.

Na sua argumentação, a Autoridade de Saúde dos Açores defendeu que “a detenção pressupõe uma medida coativa contra a vontade e que resulta de um ato involuntário”, e que o homem em causa, ao “dirigir-se voluntariamente” para São Miguel, não entraria nestes pressupostos.

“Não estarmos perante nenhuma detenção e, por maioria de razão, detenção ilegal, mas antes perante uma mera restrição de circulação, decretado no âmbito do estado de calamidade pública, decretado para todo o território nacional”, insistiu a autoridade, no acórdão que a Lusa consultou.

No texto, na parte da decisão, é referido pelo poder judicial não haver dúvidas de que “a medida de confinamento obrigatório implementada pelo Governo Regional” pretendia “segurança” dos Açores, “mas qualquer medida -- mesmo que seja para o bem comum -- tem ainda assim de respeitar os princípios constitucionais que regem um estado de direito, e a República Portuguesa é um estado de direito democrático”.

Hoje também, o presidente do Governo dos Açores, Vasco Cordeiro, declarou que o fim das quarentenas obrigatórias a quem chega à região, determinado judicialmente, “eleva substancialmente” o risco de aparecimento de novas cadeias ativas de covid-19.

O executivo “acatará” a decisão do tribunal, mesmo discordando da mesma e considerando-a “errada e perigosa”.

“Na prática, o fim das quarentenas obrigatórias eleva substancialmente o risco de surgimento de novas cadeias ativas, particularmente em São Miguel e Terceira, ilhas que recebem voos do exterior”, declarou o chefe do Governo dos Açores, falando em conferência de imprensa em Ponta Delgada.

O Governo Regional dos Açores aprovou uma resolução que impunha quarentenas em hotéis a cidadãos que se deslocam à região, no quadro das medidas de desconfinamento e de retoma da economia dos Açores, no âmbito da pandemia da covid-19.

O advogado do promotor do ‘habeas corpus’, Pedro Gomes, declarou hoje, à saída da instância judicial, que, considerando-se que se estava perante uma “detenção ilegal”, a juíza entendeu que “as quarentenas são inconstitucionais por violarem a liberdade individual dos cidadãos”.

Quando alguém interpõe um ‘habeas corpus’ está a pedir para que lhe seja reposta a sua garantia constitucional de liberdade.

O ‘habeas corpus’ está consagrado no Código de Processo Penal Português no artigo 220º, existindo dois tipos: o preventivo e o liberatório.

O primeiro acontece quando alguém que se vê ameaçado de ser privado da sua liberdade e interpõe um ‘habeas corpus’ para que esse direito não lhe seja retirado.

O segundo acontece já depois da detenção e o detido interpõe o ‘habeas corpus’ pedindo que lhe seja restituída a liberdade, uma vez que a situação de detenção ofende o direito que lhe é constitucionalmente garantido.

De acordo com o advogado, o Tribunal de Ponta Delgada “ordenou, de imediato, a libertação imediata” do autor do ‘habeas corpus’, sendo que esta decisão “só tem efeito neste caso concreto”.

O cliente do advogado Pedro Gomes chegou a Ponta Delgada, oriundo de Lisboa, em voo TAP, tendo sido colocado em quarentena, o que constitui uma “privação ilegal de liberdade”, tendo o teste que realizou dado negativo para covid-19.

O advogado considerou que a decisão judicial “é passível de recurso pelo Ministério Público, e obrigatória para o Tribunal Constitucional, porque o juiz de instrução do Tribunal de Ponta Delgada declarou a quarentena inconstitucional”.

Desde o dia 26 de março que todos os passageiros que chegavam aos Açores eram obrigados a ficar 14 dias em confinamento numa unidade hoteleira indicada pelo executivo açoriano, como medida restritiva para travar a evolução da pandemia da covid-19, tendo as despesas com o alojamento passado a ser pagas pelos passageiros não residentes no arquipélago desde 08 de maio.

A Ryanair e a SATA não estão a operar entre o continente e a região, mas a TAP continua a ter ligações, embora em menor quantidade que o habitual, entre Lisboa e Ponta Delgada e Lisboa e Angra do Heroísmo.

A TAP tem neste domingo um voo entre Lisboa e Ponta Delgada.

Portugal regista hoje 1.203 mortes relacionadas com a covid-19, mais 13 do que na sexta-feira, e 28.810 infetados, mais 227, segundo o boletim epidemiológico divulgado hoje pela Direção Geral da Saúde.

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