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Na Hungria já ninguém critica o governo ‘on the record’

Foto EPA
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Com a penalização adotada na Hungria para quem difunda informações que “prejudiquem o combate à pandemia”, os jornalistas “estão a descobrir que ninguém critica o governo ‘on the record’”, afirmou hoje Kim Scheppele, académica especializada em assuntos europeus.

Professora no University Centre for Human Values da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Kim Lane Scheppele viveu e trabalhou na Hungria, cuja situação política continua a acompanhar academicamente.

Falando numa videoconferência organizada hoje pela Fundação Gulbenkian, evocou, entre as medidas excecionais aprovadas recentemente naquele país, a penalização, com até cinco anos de prisão, de quem difunda “informações falsas” que prejudiquem o combate das autoridades no combate à pandemia provocada pelo novo coronavírus, uma acusação frequentemente usada no país contra os ‘media’ independentes.

“Quem decide [se a informação é falsa] é a Procuradoria da República e 32 pessoas já foram acusadas desta ofensa”, disse, acrescentando que “os jornalistas estão a descobrir que ninguém critica o governo ‘on the record’”.

Para a académica, o “estado de emergência sem limites” no país, aprovado na semana passada no parlamento, controlado pelo Fidesz, o partido do primeiro-ministro nacionalista Viktor Orbán, faz com que “pareça que a Constituição foi morta”.

“A pandemia foi uma desculpa para Orbán agarrar os últimos poderes que ainda não controlava”, afirmou.

Ao abrigo da nova legislação, quaisquer atropelos à Constituição, já de si alterada pela maioria de dois terços que apoia Orbán, “só pode ser contestado nos tribunais ordinários”, que “estão fechados ao abrigo do estado de emergência”, decretado indefinidamente.

Questionada pela moderadora sobre se “é tarde demais” para evitar que a Hungria se torne num estado autoritário, Kim Lane Scheppele respondeu taxativamente: “Na Hungria é tarde demais há muito tempo”.

“Desde as eleições de 2014 é impossível os húngaros mudarem o governo por meios legais”, explicou, adiantando que qualquer alteração às regras desde então vigentes implica a aprovação por dois terços do parlamento, ou seja, pelo Fidesz.

Para a investigadora, a União Europeia (UE) pode ter um papel, uma vez que todos os estudos de opinião feitos na Hungria registam “os níveis mais altos de apoio à UE” entre os 27, pelo que uma ação europeia punitiva do desrespeito pelos direitos fundamentais encontraria uma boa reação da população.

Uma tal medida, apontou, poderia ser a suspensão de fundos europeus, já proposta pela Comissão Europeia.

Kim Lane Scheppele interveio no painel “Crise política”, da conferência “Respostas de Saúde, Económicas e Políticas à Pandemia de covid-19”.

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