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Que culpa tenho?

Amanheceria na correria citadina

Compraria um jornal na tabacaria da esquina

Recordo-me de um dia normal

Café quente e um pastel

Sem pensar em álcool gel

Tubo, cama, ventilação

Volto à realidade

Não me pares coração!

Que culpa tenho?

Se por um momento não lembrei

Como um vírus apanhei...

Terá sido nas compras, no elevador, no autocarro?

Foi ao tocar no dinheiro ou na maçaneta?

Eu sei lá...Ele entrou em casa, afetando a minha família

Eles aguentaram, mas eu não

Já estou como os antigos,

A pensar em superstição

Em divinos castigos

Ou numa mera maldição.

Que culpa tenho?

Ar puro da montanha

Contrasta com oxigénio hospitalar

Dificuldade em encher os meus pulmões

Via respiratória afetada

Demasiado fraco

Sobram-me recordações.

Sofre a minha árvore brônquica

Tanto quanto ou mais do que sofreram as florestas

Sem árvores, sem animais.

Já estou como os antigos,

Peço apenas por saúde numa espécie de prece.

Que culpa tenho?

Respiro mecânica ventilação

Entre paredes de concreto num hospital

Mas ainda passeio na imaginação

Entre as flores do meu quintal.

Peço que o meu sopro de vida ainda não acabe.

O invisível entrou em mim, entrou na minha casaNa cidade também e tudo mudou.

Lembrando-me do quão frágil sou,

Fragilmente forte, parte da natureza.

Aquela que visivelmente descuidei descansa

Enquanto eu anseio por uma recuperação ou cura

Que me permita reabraçá-la.

Que culpa tenho?

Não me julgues, não me vejas diferente

Sou tão humano como tu.

Desejo que isto nem te afete

Que permaneças tranquilo no teu lar.

Enquanto isso as minhas células lutam mas sonho que logo, logo...

Estaremos juntos nas ruas a celebrar.

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