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Uma semana mais

O silêncio da rua inquieta-me como este centro comercial vazio, com as lojas fechadas à pressa e onde quero ficar o mínimo possível.

As calças da montra têm um letreiro apelativo, um ‘fit me”, um experimenta-me que lembra a passado agora que estou na fila do supermercado e não sei se há frango no talho, a carne de frango anda escassa desde que isto começou. Não me lembro de alguma vez ter estado assim, de me preocupar com o que há ou não nas prateleiras, elas enchiam-se todos os dias, como se fosse magia.

A fila mexe-se devagar, não se pode ter pressa quando se vem às compras. Passo os olhos pelas montras escuras. Há um mês reluziam com as novidades para seduzir quem passava pelos corredores e, se o mundo fosse o mesmo, talvez experimentasse as calças ou uns sapatos, o que me parecesse bonito, mas isto virou ao contrário e o que me faz jeito está no supermercado.

O empregado limpa os carrinhos, que não se escapa do medo, nem sequer no supermercado, que é aquele lugar onde se pode ir sem pesos de consciência. Já o medo é tramado, as notícias mostram que sim, que levadas pelo pânico as pessoas escorregam muitas vezes para o lado mau. É lixado, esta doença é lixada, ninguém quer ficar doente. Eu também não, preocupa-me a saude, o meu pai, a minha tia velhinha, mais o meu sentido de decência.

Não quero que vá de arrasto com a infecção de Covid-19 e espero não ter do que me envergonhar no fim deste caminho, mas também me atormenta estes dias em casa, vejo o sol do lado de fora da janela e oiço os pássaros a cantar nas árvores do hotel em frente da minha cozinha. Há duas semanas ouvia o barulho na sala do pequeno almoço, agora está fechado. De noite fica às escuras, parece um gigante mudo.

O silêncio da rua inquieta-me como este centro comercial vazio, com as lojas fechadas à pressa e onde quero ficar o mínimo possível. Tento não tocar, nem chegar perto, mantenho a tal distância social e, de qualquer forma, incomoda-me não estar confinada ao meu T1, com os meus gatos e as mãos lavadas. Até as caminhadas me deixam o peso da culpa, será que faço bem?

E depois há o depois disto tudo, aquela vaga que se vê no horizonte e que se há-de abater sobre os empregos e as empresas quando a doença se for. Se fosse uma pessoa de fé diria que os momentos de provação servem para distinguirmos o que é importante do que não é. A questão é que, por experiência, sei que o sofrimento não é uma aprendizagem, é algo que custa e que se quer que acabe depressa. Não é uma dádiva, nem uma oportunidade, é só lixado.

Não há outra maneira de colocar a questão, é como estes dias que vivemos.

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