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Carta Pública ao Presidente do Governo Regional da Madeira

Não sei se lerá esta carta ou se, de qualquer modo, alguém lhe falará dela.

Adianto já que foi colocada numa estação de correio e chegará à Quinta Vigia.

Não venho chamar a atenção para nada.

Venho dizer que não consigo ignorar quando vejo como se comporta com a primeira (pelo menos do domínio público) reacção de pânico CONTRA técnicos de saúde pública em quarentena num apartamento do Funchal.

Da sua parte o silêncio. Da sua parte a indiferença pública. Da sua parte o desrespeito público por quem se expõe, diariamente, a tentar conter o vírus e tratar os doentes. E se vê escorraçado deste modo. O seu silêncio facilita o caminho para o que, espero, nunca chegue!

Situações como a que vivemos, nunca as enfrentámos! Nenhum de nós imaginou alguma vez que acontecesse. Mas que tem responsabilidades governativas precisa de ter absoluto sangue frio e absoluta consciência do impacto e das consequências das suas palavras.

Situações como a que vivemos geram, por si mesmas, insegurança, inquietação, medo. Se não são controladas ao máximo possível, é muito fácil desencadearam-se reacções de grande agressividade, de confronto, de antagonismo.

Por isso mesmo não precisam de quem, através do ar, do tom, da hesitação de medidas, do faz hoje e desfaz amanhã, agudize tudo isto.

A primeira declaração de quarentena não se cumpriu. A seguir elencou uma série enorme de medidas de carácter económico e lá no fim duas ou três notas para as pessoas e para as medidas de prevenção.

E depois há a tremenda certeza das hesitações. Um dia fecha o aeroporto, no outro assim-assim. Um dia os turistas que aqui estão têm que ficar de quarentena, no mesmo dia devem sair mal acabem as férias.

Num dia, quem entra na Região vai obrigatoriamente de quarentena para a Quinta do Lorde, dois dias depois afinal ficar ali depende do resultado do teste de despiste! Num dia não são permitidas saídas nem entradas no aeroporto (a não ser com comprovativo médico), mesmo que ninguém perceba porque é que a ilha se transformou numa prisão de onde não se pode sair; no outro já tudo mudou outra vez, até porque a decisão do seu governo de criar estes impeditivos de mobilidade sofrem de «impossibilidade legal» - assim mesmo, pela boca do seu Secretário da Saúde.

Tudo isto potencia o receio, a desconfiança – até porque o inimigo é invisível. E é deste caldo que há turistas insultados, que há profissionais de saúde obrigados a abandonar o apartamento onde estão de quarenta. O caminho para piorar está aberto. Não o pode alimentar!

Não precisamos que transmita mais desnorte.

Não precisamos que diga, com ar de pânico, ‘Todos temos medo’. Pois temos! Mas a si exige-se-lhe outra postura.

A situação é grave? É, muito. Tanto, que não sabemos quanto. Mas, a si, é exigível outra postura, repito, que não alimente este caldeirão de maus sentimentos.

Para o senhor, sempre os adversários foram inimigos. Chegou, agora, a hora de ter um inimigo à sua frente. Esta é a hora em que todos temos um inimigo à nossa frente.

Não continue a tentar transformar adversários em inimigos.

As ‘contas’ de hoje não são partidárias. Essas virão quando a vida permitir que voltemos a alguma normalidade!

As ‘contas’ de hoje são ouvir quem sabe, cooperar, manter o sangue frio, definir uma estratégia para combate ao inimigo comum – que não se chama Maria nem Manel, Lisboa nem nenhum partido ou um qualquer cidadão. O inimigo chama-se COVID19.

Porque escrevo? Porque uma vez mais voltei ao Ensaio sobre a Cegueira.

Nunca o li com tamanha sensação de realidade. O que era ensaio literário, terrífico mas distante e hipotético, passou a estar aqui, ao nosso lado, à ‘espreita na rua’.

Só que, agora, o leio com a consciência de estar dentro dele. E nunca escrevi uma carta com a certeza tão clara que, por isso mesmo, tinha que a escrever!

Mesmo sabendo que muitos não gostarão. Mas não usei muito mais de metade da minha vida a lutar pela Liberdade e pela Democracia para agora não poder dizer o que sinto.

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