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Dignificação

Assinale-se ainda as preocupantes e inadmissíveis taxas femininas de pobreza, desigualdade, discriminação, também o desemprego que ainda persistem

“A participação da mulher é indispensável porque a sua presença dá mais qualidade ao desporto”. Esta frase proferida pelo professor Jorge Soares da Universidade da Madeira, na conclusão da iniciativa “Desporto no feminino”, constituiu uma feliz síntese da discussão de mais uma faceta do papel da mulher na sociedade, proposta pelo Conselho Municipal para a Igualdade de Santa Cruz. No passado dia 6 do corrente, foi tempo de partilhar a reflexão com atletas no feminino: uma árbitra, uma campeã nacional de Muay Thai, uma treinadora de andebol, uma nadadora, uma gestora escolar e desportiva, um agente da PSP e um professor universitário da área da educação física.

A reivindicação pela mulher do seu lugar no desporto data da Antiguidade, desde os primeiros jogos olímpicos, foi a nota introdutória. Falou-se também das ainda atuais situações de discriminação masculino / feminino em termos de balneários, equipamentos, carreira profissional, etc., que sucedem às crenças, preconceitos, estereótipos religiosos, padrões e mitos culturais que desde sempre lhe colocaram pressões sociais e entraves. Subjacente às questões dos piropos ofensivos, das agressões, dos insultos, da violência, e do racismo, nunca aceitar a normalidade do insulto, foi ponto assente no debate. Também se referiu o contexto legal da aplicação dos planos governamentais para a igualdade no contexto desportivo, e os objetivos meritórios, mas carentes de melhor coordenação, da autoridade para a prevenção e combate à violência no desporto. O desporto como factor de cultura, cidadania e inclusão social, de aprendizagem na gestão das próprias emoções, mas acima de tudo como força física e psicológica para seguir adiante, superar-se, competir consigo próprio pontuou os testemunhos das oradoras e oradores e preencheu um interessante espaço de reflexão de adultos e jovens.

Desde a sua instituição nos 70 do século passado, o dia 8 de março, dia internacional da mulher constitui uma pausa comemorativa para reconhecer o que se alcançou em termos de emancipação e participação feminina nas diversas esferas da vida em comunidade, para além do espaço família, mas e acima de tudo verificar o muito que ainda falta fazer, para que todas as mulheres tenham a oportunidade de, em pé de igualdade com os parceiros masculinos, tomar parte em todos os campos de atividade humana, de modo a poder realizar sem constrangimentos, todo o seu potencial. Porque desta circunstância colherá toda a humanidade os benefícios. É preciso não cessar de afirmar que o que está na origem desta comemoração é um motivo assaz sério, para que se o perverta pelo marketing consumista. A 8 de março, o que se assinala é a luta trágica de um grupo de operárias americanas por justas condições de trabalho e salários condignos, tendo pago com a vida a coragem da sua ação. É preciso que se transmita às gerações mais jovens que tudo aquilo que a mulher moderna no mundo ocidental hoje pode fazer, a parcela de participação em todas as esferas da vida moderna – da emancipação e independência no seio da família, da educação à política, do mundo do trabalho à ciência e à investigação, foi conseguido após muita luta, persistência, afirmação assertiva e teimosia. E nenhum destes sinónimos é redundante, dada a situação hoje, de mais de metade da população. Analise-se as qualificações escolares e profissionais das mulheres, e questione-se quantos lugares de chefia e liderança são exercidos no feminino e salários correspondentes. Olhe-se as taxas de feminicídio, violência no namoro e violência doméstica. Assinale-se ainda as preocupantes e inadmissíveis taxas femininas de pobreza, desigualdade, discriminação, também o desemprego que ainda persistem, e por arrasto tendem a estender-se aos filhos e à família. Por isso, o dia 8 de março abrange um leque de valores mais vasto e para além do universo feminino. É de humanidade dignificada que se trata.

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