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Filhos de Ryan

Parece ter-se encerrado um interessante capítulo da História recente de Portugal. A greve dos camionistas de matérias perigosas saldou-se por um pouco usual movimento de concertação, e, como efeito secundário (?), assistiu-se ao lançamento de mais uma figura política.

A definição de “serviços mínimos”, e a forma de os garantir, deu origem a muitos comentários e declarações públicas, com o efeito previsível da tentação de criar doutrina.

Mas o mais interessante foi o recurso a pessoal das Forças Armadas e de Segurança para conduzir os camiões cisterna. Não porque não estivesse qualificado: há muito que militares e militarizados transportam combustíveis, explosivos e munições, sem incidentes de maior.

Mais uma vez, nada de novo. Há um século, a Manutenção Militar serviu para minorar os efeitos da chamada “Crise das Subsistências”, e depois disso o Batalhão de Sapadores de Caminhos de Ferro foi, em parte, criado para garantir o que se chamaria hoje “serviços mínimos” nas ferrovias – para dar dois exemplos, ainda que de outras eras.

A questão está em definir o que é de interesse nacional, e quando é que este fica em risco, impondo a mobilização das Forças Armadas. Isto até pode acontecer sem ameaça externa: basta uma catástrofe natural; são as “outras missões das FA. Mas recordemos que estas devem ser o último recurso de um país, e que, segundo as regras, um comandante que empenha a reserva deixa de ter ação de comando.

O direito à greve é amplamente reconhecido, e nenhuma das partes o negou. Resta saber a que “armas” se pode legitimamente recorrer para o seu exercício; paralisar o País pode ser uma delas. O que levanta de imediato a questão do interesse nacional.

Tal como previam alguns arautos da desgraça, o êxito da requisição civil teve um seguimento, com o caso da greve da Ryanair.

Mas será que o interesse nacional estava ameaçado? Esta companhia tem um longo historial de atropelos às leis laborais, por toda a Europa. Não é companhia de bandeira nem tem nenhum peso estratégico. Ameaçou fechar a delegação de Faro e outras em Espanha.

Agora surgem notícias da continuação de Faro e abertura no Funchal.

Se nada acontece por acaso à face da Terra, estas coisas estão interligadas, e haverá quem não fique bem no retrato.

Resta-nos dar graças por não haver pilotos da Força Aérea qualificados em Boeing 737, nem pessoal navegante especializado em atender passageiros.

Senão, corríamos o risco de ver militares a pilotar os aviões e a perguntar, como dizia o Badaró, “chá, café ou laranjada?”

Porventura acarinhados pelos patrões irlandeses, seriam como que “Filhos de Ryan... Air”.