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Cidade para todos

Incumbe ao Estado promover as políticas, públicas ou privadas, que a todos garantam uma morada condigna

A Madeira tem vários bairros e conjuntos habitacionais, de iniciativa pública ou cooperativa, desenhados por arquitetos. O Bairro da Nazaré, no Funchal, por Rafael Botelho, ou o Bairro Económico dos Pescadores, em Câmara de Lobos, por Rui Goes Ferreira, são dois bons exemplos de como a arquitetura pode fundar um lugar, criando um sentido de pertença à comunidade que o habita. O contrário disto, infelizmente, também acontece: bairros sociais atirados para as periferias ou enterrados nos vales das ribeiras, maquinalmente concebidos por gente que não sabe, não pode ou não quer fazer melhor. É tempo de fazer melhor, de lançar concursos de concepção que substituam o desenho analfabeto destes guetos pelo desenho de qualidade, racionalizando custos de construção e dando um pouco de atenção a todos que os vão habitar.

O concurso recentemente organizado pela Câmara Municipal de Cascais, com o apoio da Ordem dos Arquitectos, para um Projeto Municipal de Habitação, é um bom exemplo do que na Madeira se poderia fazer para por fim ao ciclo de mediocridade que gerou os guetos da Palmeira, em Câmara de Lobos; da Nogueira, na Camacha; ou Santo Amaro, no Funchal. É precisamente para debater a cidade e as políticas de habitação coletiva que a vão conformando, que a Delegação da Madeira da Ordem dos Arquitetos promove, no próximo dia 8 de novembro, uma conferência que tem por título “Habitação coletiva: Cidade para todos”. O evento conta com a presença de um conjunto de especialistas de variadas proveniências que debaterão connosco um tema que não é fácil, mas que a todos diz respeito.

Veja-se, por exemplo, a questão da lei das rendas e as funestas consequências que teve para as cidades do país o seu congelamento. Onde começa e acaba o papel do Estado na chamada “questão da habitação” e ordenamento da urbe? Como conjugar as iniciativas pública e privada? Como podem os arquitectos contribuir para a qualidade dos lugares onde vivemos? Que cidade queremos?

A habitação é em, em Portugal, um direito constitucional. Incumbe pois, ao Estado, promover as políticas, públicas ou privadas, que a todos garantam uma morada condigna. O problema torna-se, todavia, mais complexo, se atentarmos ao facto de que habitar não é apenas ver garantidas as condições de higiene e privacidade que a Constituição consagra. É muito mais do que isso. Habitar - tal como amar, recordar ou morrer - é um dos verbos que proclamam a nossa presença no mundo. A disciplina que estabelece as regras da sua conjugação é a Arquitetura. Cabe, pois, aos arquitetos, mais do que a quaisquer outros profissionais, saber conjugá-lo, para escrever - se possível sem erros! - o infinito texto da cidade.