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Produção de cinema no Brasil “nunca esteve tão forte”

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A realizadora brasileira Ana Vaz, que integra a secção “Forum Expanded” da Berlinale, acredita que apesar do “desmonte da maneira como se produz e financia o cinema” no país, este “nunca esteve tão forte” como agora.

“Vivemos, neste momento, um desmonte da maneira como se produz cinema, cultura e pensamento no Brasil. O mais impressionante é que, mesmo com esse desmonte, vê-se que a produção brasileira nunca esteve tão forte, tão sagaz, tão cheia de interrogações”, disse, em entrevista à agência Lusa, a realizadora de “Apiyemiyekî?”.

O documentário, que significa ‘Porquê?’, é uma coprodução com Portugal, através da Stenar Projects, uma plataforma de produção de filmes de artista.

O trabalho é sobre um arquivo de desenhos feitos pelos Waimiri-Atroari, um povo nativo da Amazónia brasileira, durante a sua primeira experiência de alfabetização em meados dos anos 1980, após terem sofrido violentos ataques à sua comunidade durante a ditadura no Brasil, sob o imperativo da expansão de projetos de desenvolvimento.

“É, ao mesmo tempo, um filme histórico e atual. Falar-se das questões indígenas não é apenas falar-se das questões ditas atuais, já que elas são históricas. Ao longo de mais de 500 anos, a ideia de Brasil como nação tem sempre sido fundamentada sob uma negação dos seus povos originários, por mais que não exista um Brasil sem os seus povos indígenas”, sublinhou a realizadora.

Esta é a primeira vez que Ana Vaz participa na Berlinale, na secção que mais se encaixa com o seu trabalho, por estar mais ligada “à reflexão do que o cinema pode ser a partir de questões políticas, antropológicas e sociais”.

“O filme tem uma narrativa quase circular. Podemos imaginar que ‘Apiyemiyekî?’ começa e finaliza com a pergunta que dá título à obra. Ela não cessa, não cala, ela conecta o presente com o passado e com a especulação de um possível futuro que não seja tão mortífero como aquele que é documentado através do filme”, adiantou.

“Apiyemiyekî?” foi realizado no âmbito da exposição ‘Meta-Arquivo 1964-1985: Espaço de Escuta e Leitura das Histórias da Ditadura Militar no Brasil’ (Sesc Belenzinho, São Paulo), que juntou uma série de obras inéditas dedicadas à construção de uma cosmologia crítica desse período.

O filme é um retrato cinematográfico que parte do arquivo de Egydio Schwade, educador brasileiro e militante pelos direitos dos povos indígenas -- Casa da Cultura de Urubuí, localizado na sua casa em Presidente Figueiredo (estado do Amazonas), onde atualmente são conservados mais de 3.000 desenhos feitos pelos Waimiri-Atroari, um povo nativo da Amazónia brasileira, durante a sua primeira experiência de alfabetização que ele próprio coordenou.

“É um filme que não só busca mostrar o tratamento dos povos indígenas, particularmente dos Waimiri-Atroari durante a ditadura militar, mas, acima de tudo, fundamenta uma reflexão sobre a maneira como a educação crítica, baseada na metodologia (do educador e filósofo brasileiro) Paulo Freire, é capaz de aliciar a elaboração de uma memória coletiva e uma perspetiva real em relação a um trauma histórico”, explicou.

“O filme procura ecoar a pergunta dos indígenas no tempo presente”, referiu Ana Vaz, acrescentando que até onde vai esse “eco” não está no seu controlo.

“É muito importante nesse momento, em que há uma tendência, não só no Brasil, mas em vários países, de uma negação e um apagamento histórico, olhar o nosso passado, o chão onde pisamos, os nossos arquivos, a nossa história. É essencial para se construir um futuro”, frisou a realizadora.

Sobre uma “fuga” de talentos do Brasil, nomeadamente na área cinematográfica, Ana Vaz não tem uma resposta pronta.

“É difícil de dizer. Fuga parece uma palavra talvez um pouco fácil em relação às condições atuais de vida dentro e fora do Brasil. Sair do Brasil pode ser até uma forma de privilégio. É muito difícil imaginar uma ‘fuga’ de um lugar que pede a nossa presença e atuação e que ao mesmo tempo asfixia diversas formas de criação, de ser, de comunidades e sobretudo de pensamento crítico.” lamentou.

O Festival Internacional de Cinema de Berlim termina no próximo domingo.

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