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Grupo recomenda que Pequim privilegie geopolítica na questão da dívida africana

Uma unidade de investigação chinesa especializada em relações internacionais considerou hoje que lidar com a “enorme dívida externa” de África é uma “questão crucial” para a China, aconselhando o Governo chinês a privilegiar os interesses geopolíticos.

“Goste-se ou não, a verdade inevitável é que a ‘bomba’ do endividamento africano vai rebentar a qualquer momento, e a China terá que ajustar a sua estrutura para mitigar os danos”, afirma a Anbound, num relatório a que a agência Lusa teve acesso.

Fundada em 1993, em Pequim, a Anbound é uma das maiores unidades de investigação da China especializada em geopolítica e relações internacionais, prestando aconselhamento nas áreas de previsão estratégica, soluções políticas e análise de riscos.

Numa altura em que a pandemia do novo coronavírus ameaça causar uma recessão em África, os governos do continente pediram um total de 100 mil milhões de dólares (91 mil milhões de euros) em assistência, incluindo o apoio a uma moratória da dívida externa e, eventualmente, perdão de dívidas.

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional anunciaram já medidas de alívio imediato, incluindo o perdão de dívida a alguns dos países mais pobres do continente, reforçando as expectativas de que Pequim adote medidas semelhantes.

Estatísticas de diferentes instituições estrangeiras revelam que as dívidas atuais de África à China, incluindo empréstimos concedidos por entidades privadas, ascendem a 145 mil milhões de dólares (132 mil milhões de euros), e que, só este ano, os países africanos terão de pagar 8 mil milhões de dólares (mais de 7 mil milhões de euros) em juros.

No início deste mês, o Governo chinês negou à Lusa qualquer responsabilidade sobre uma potencial crise de dívidas soberanas em África, apontando antes que cabe aos países desenvolvidos desempenharem um “papel exemplar” no apoio ao continente.

A Anbound lembrou, porém, que a China se tornou “parte importante” da dívida externa de África, e que lidar com a “enorme dívida” do continente é uma “questão crucial” para Pequim.

“A China vai ter que sacrificar certas considerações económicas, em prol dos seus interesses geopolíticos, para manter a ‘bomba da dívida’ de África sob controlo”, notou.

A Organização Não-Governamental Comité para o Jubileu da Dívida estima que 32% da dívida dos países africanos corresponde a empréstimos entre países, e que outros 32% são empréstimos adquiridos nos mercados privados, através de bancos ou fundos de investimento, e o restante são dívidas contraídas junto de organizações multilaterais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Segundo o Comité para o Jubileu da Dívida, Angola, por exemplo, destinou quase 43% das receitas do Estado, em 2019, para pagamento de juros e amortizações da dívida externa, uma das percentagens mais altas entre os países africanos. Em comparação, Moçambique gastou cerca de 20% com o serviço da dívida.

A Anbound lembra que, “face às dificuldades em obter isenção junto de entidades privadas”, os países africanos terão de procurar um alívio junto de organizações internacionais e Estados soberanos, o que afeta particularmente a China, um dos principais credores do continente, e cujos empréstimos são realizados maioritariamente através dos seus grandes bancos estatais de investimento, como o Banco de Desenvolvimento da China.

“Devido à pressão para que haja alívio da dívida dos países africanos, é provável que a China sofra as maiores perdas”, considerou a Anbound.

A unidade de investigação admitiu que a China enfrenta um dilema.

“Se continuar a conceder empréstimos, talvez a China nunca consiga recuperar o dinheiro. No entanto, se se recusar a fazê-lo, corre o risco de afetar os enormes empréstimos já concedidos e os investimentos e laços geopolíticos que construiu com África ao longo dos anos, o que, por sua vez, interromperia a iniciativa ‘uma faixa, uma rota’”, advertiu.

Lançada em 2013, pelo Presidente chinês, Xi Jinping, aquela iniciativa, que foi já inscrita na Constituição chinesa, inclui a construção de linhas ferroviárias, aeroportos, centrais elétricas ou zonas de comércio livre, visando abrir novas vias comerciais e redesenhar o mapa da economia mundial.

A Anbound recomendou assim que, face ao deteriorar das relações entre a China e os Estados Unidos e a Europa, o país asiático não se pode afastar dos laços que formou com o continente africano.

“A abordagem mais realista, por enquanto, seria reajustar a iniciativa ‘uma faixa, uma rota’, a nível geopolítico e geoeconómico”, substituindo o “modelo dominante de grandes empresas estatais, grandes fundos e grandes financiamentos” por uma “maior comercialização na participação da China no capital privado, visando diversificar a estrutura da dívida da África com a China”.

“Só assim se conseguirá um equilíbrio entre os interesses de mercado e os interesses geopolíticos”, apontou.

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