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Verão “quente” de 75

Eram cerca das 16h do dia 1/Jun/1975 quando rebentou, na cidade de Cabinda, forte confronto entre MPLA/FNLA, sendo utilizado sobretudo armamento ligeiro mas também lança granadas e morteiros. Parecia o fim do ano no Funchal tal era a barulheira. Já era previsível que tal acontecesse pois o mesmo já havia sucedido e estava ainda a acontecer um pouco por todo o território de Angola. Era o tempo da conquista do poder pelas armas. Algum tempo depois começaram a sair do quartel as nossas viaturas em socorro da população, sobretudo a de cor branca, que solicitava refúgio no nosso quartel e o qual ficou a abarrotar com refugiados. Durante a noite os confrontos prosseguiram mas apenas com armas pesadas Um furriel dos comandos, “jogado” para a minha companhia por ter morto um civil, algures em Angola, convidou-me, logo após o início dos confrontos, a acompanhá-lo na recolha das FI – Forças Integradas do MPLA/UNITA/FNLA – que estavam em serviço de segurança na periferia da cidade. Aceitei o desafio. Durante o trajeto, a nossa viatura foi respeitada pelas forças em confronto e, no regresso, por decisão do furriel, entramos no quartel da FNLA para aí deixarmos os dois militares, desta força, que nos acompanhavam, sendo de imediato cercados por soldados congoleses, mercenários da FNLA, que aos berros e de armas apontadas exigiam, na língua francesa, a entrega dos dois militares do MPLA que seguiam connosco. O furriel, levantou-se, com a mão esquerda fez sinal que não satisfazia o pedido, enquanto na mão direita vi que tinha uma granada pronta a atirar. Perguntei-lhe “Olha para que serve essa m...?” tendo respondido calmamente, “Rosa, pelo menos levo meia dúzia destes macacos à minha frente”. Neste momento percebi claramente a diferença que existe entre os comandos e a tropa dita macaca. Permanecemos nesta situação cerca de dois/três minutos após o que apareceu o capitão da FNLA, mercenário, porque tinha sido capitão do nosso exército, que com um gesto ordenou aos seus subordinados que baixassem as armas ao mesmo tempo que com um sorriso fez sinal autorizando a nossa partida. Foi um momento de alta tensão que jamais esqueci. Os confrontos prosseguiram pela noite dentro sendo utilizadas apenas armas pesadas. No dia seguinte os combates recomeçaram, ainda com mais intensidade quando, cerca das 11h, já na qualidade de oficia de dia, recebi uma mensagem da nossa Cia, no N´Tó, a informar que tropas zairenses estavam a concentrar-se junto à fronteira. Telefonei de imediato ao meu comandante, António Casqueiro Sampaio, que estava no COMSEC, o qual gaguejando, pediu-me para não divulgar a informação para não alarmar o pessoal. Mais tarde, cerca das 15h, ligou a informar que não havia qualquer intenção hostil por parte da força congolesa a qual se justificou com o necessário reforço da segurança. Ainda bem porque se o Mobutu tivesse aproveitado a ocasião para invadir, suspeita que pairava no ar há alguns meses, teria sido um inferno porque tínhamos de resistir, mas a anexação teria sido mais justa, consideradas as afinidades existentes entre os povos de Cabinda e do Congo Zaire. Durante o dia continuaram a chegar civis que encheram ainda mais o quartel. O rancho teve que ser reforçado. Foi o dia mais intenso que tive enquanto militar pois quase todos os assuntos passavam pela minha mão. Os combates só terminaram na manhã do dia seguinte com a vitória do MPLA. Os civis recolhidos regressaram então a casa, fizeram as malas, e partiram para Luanda tendo como destino final o “puto”. A cidade de Cabinda toda esburacada e paralisada pelo abandono dos civis oferecia um aspeto desolador. Ainda ficamos mais uns meses, na companhia do MPLA, que já se comportava como dono do território, mas até ao fim da comissão nada mais aconteceu de registo. Apenas a visita de um alto comando político do MPLA que reconheceu, na messe de oficiais, que aquando do 25/Abril estavam derrotados, porque contavam apenas com cerca de 2000 militares cuja maioria combatia apenas no território de Cabinda visto terem sido escorraçados de Angola. De realçar ainda a atuação do cantor, Rui Mingas, no cinema Chiloango, ex- combatente do MPLA e atleta do Benfica, para os militares portugueses. Foi um momento de alguma emoção, pelo convívio entre “inimigos”, que meses antes tinham combatido, prova de que as guerras apenas servem interesses que não os do povo em nome do qual são justificadas.

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