Canalhices do sistema
Há cada vez mais protagonistas na vida pública madeirense cuja única estratégia de afirmação é dizer mal dos outros, sobretudo de quem faz. Por eles e pelos seus.
Por provocação ou ambição, os detractores não constroem, não propõem e não elevam. Apenas apontam o dedo, com arrogância moral e agressividade teatral, com esperteza saloia e superioridade que não têm. Uma tendência que ficou particularmente exposta na última semana, com uma sucessão de posturas em vários palcos que, inacreditavelmente, nem todos ousaram contrariar, talvez por medo dos inevitáveis ajustes de contas e dos julgamentos sumários nas redes, mas que provam que a sociedade madeirense tende a ser colonizada por especialistas na difamação. Mesmo que estes devam à lucidez. Mesmo que caiam em contradição. Mesmo que sejam irrelevantes. Mesmo que tenham memória curta. Mesmo que insistam em manter a fachada pintada de fresco, em nome dos valores, das tradições e dos bons costumes que não ostentam, nem praticam, mas que, por conveniência, propagandeiam.
A forma leviana como se desrespeitam princípios fundamentais num Estado de direito, como se viola a Constituição ou como se insulta terceiros para salvaguardar a notoriedade dos mais próximos são apenas exemplos dessa lógica corrosiva, também conhecida por canalhice. Sob o manto de uma suposta independência crítica, julgam alguns que acautelando interesses meramente pessoais escapam à retórica sistematicamente destrutiva que implementam, dirigida a alvos cirúrgicos, com insinuações que tentam dar cabo de pessoas e instituições. Tudo com objectivos proteccionistas, para que a culpa morra solteira e a verdade nunca se saiba.
Alguns discursos proferidos no Dia da Região também ilustram um ambiente político degradado. O que deveria ser um momento de elevação institucional e projecção de um destino comum para a Madeira transformou-se numa amálgama de ataques mais ou menos subtis a tudo o que ameace o poder efémero. O palco político torna-se assim um espelho, não dos madeirenses eleitores, mas de egos inflamados com sobranceria sem justificação.
Esta cultura abominável, centrada no disparate como método e na projecção pessoal como fim, é uma ameaça directa à saúde da democracia regional. Desencoraja quem quer fazer política com o que tem de melhor para partilhar. Contamina a opinião pública com suspeição e ruído. Faz com que os verdadeiros problemas, desde os sociais aos económicos, dos demográficos aos financeiros, sejam engavetados.
A Madeira merece bem mais do que aquilo que alguma alucinação debita. Até porque precisa de ideias robustas, de confronto sério de projectos e de serviço público genuíno. Daí que, mais do que premiar com ‘gostos’ quem grita mais alto, usa a calúnia como arma ou ironiza sem pudor, seja determinante exigir mais verdade, mais propostas e mais responsabilidade se é que o desígnio comum ainda é construir o futuro sem deixar ninguém nas margens.
Uma sociedade onde o ataque pessoal, a insinuação maliciosa e a arte de distorcer são práticas normalizadas ou até incentivadas dificilmente se redime ou se supera com cerimónias públicas de desagravo, nem com gestos simbólicos de gratidão. Podem todos fingir que valorizam o mérito, mas se insistem na humilhação como estratégia predilecta da afirmação tribal, apenas revelam ter pacto com a hipocrisia. E não será com prémios, medalhas ou celebrações que se extermina a cultura tóxica da difamação.