A Madeira foge aos madeirenses
Ainda me recordo com bastante nostalgia do prazer que era apresentar os pontos mais encantadores da Madeira quando recebíamos visitas de fora da ilha.
Era quase obrigatório ir ao Pico do Arieiro e ver o mar de nuvens abaixo de nós. Sentir lá em cima o sol a queimar a nossa pele como se estivéssemos na praia. Quando tínhamos essa sorte de ter o sol a brilhar, apreciávamos a paisagem circundante de cortar a respiração, de tão bonita, verde a relaxante. Tomarmos uma bebida a olhar para tudo isto antes de retomarmos a estrada era obrigatório. Tudo isto sem stress, sem atropelamentos e com uma boa conversa, normalmente a falarmos da nossa terra linda.
Depois, íamos ao Ribeiro Frio ver as trutas e fazer uma caminhada até aos Balcões. Desde muito nova que era obrigatório conhecer esta zona onde as trutas eram criadas em cativeiro. Quando chegávamos ao Miradouro dos Balcões, parece que tínhamos chegado a um lugar encantado, onde os passarinhos vinham comer às nossas mãos, com os imponentes cumes mais altos da ilha como fundo. Estávamos à vontade para fotografar e admirar. Mais uma vez, a beleza estonteante da nossa Laurissilva fazia-nos companhia.
Depois era procurar um restaurante que servisse trutas e arroz de lapas. Não era preciso fazer marcação. Se fosse preciso, esperávamos um pouco, aproveitando para tomar qualquer coisa.
Depois do almoço procurávamos mais lugares emblemáticos para ir vendo a Madeira como, por exemplo, o Miradouro da Portela, que tinha uma vista fabulosa e uma vida muito interessante que dava para admirar e conversar.
Entretanto, quando vínhamos pela zona do Santo, dava para comprar o famoso requeijão caseiro e o pão maravilhoso parando, obrigatoriamente, na Camacha para admirar os vimes no Café Relógio.
E hoje, será que conseguimos fazer um passeio destes com as pessoas nossas amigas e familiares?
Hoje perdemos a oportunidade de poder admirar a nossa terra e mostrá-la com orgulho a quem nos visita. Está tudo entupido de carros, de todos os tipos, por todo o lado. O negócio do turismo tomou conta de tudo. Não há espaço para quem aqui vive. Ver o nascer do sol no Pico do Arieiro ou o mar de nuvens é uma miragem. Fazer a caminhada nos Balcões a mesma coisa. Até ver as trutas não é possível porque não existe onde estacionar. Até o Miradouro da Portela foi posto fora de moda, os restaurantes das trutas e arroz de lapas fecharam quase todos um pouco por todo o lado, e os vimes desapareceram.
A culpa é dos turistas? Claro que não. Sempre tivemos turistas a conviver connosco desde que eu me lembro de ser gente. O problema é o descontrolo do negócio do turismo numa terra com recursos limitados como a nossa. Não existe controlo porque dizem que temos camas para toda a gente, mas aquilo que se vê é que até podem ter camas para os turistas, mas estão a faltar camas para milhares de madeirenses que querem ter direito a uma casa e não a podem adquirir, porque os preços são incomportáveis para os seus rendimentos. Há um desenvolvimento em curso que se choca profundamente com os interesses e necessidades da população, tudo virado para o bem-estar de quem aqui vem passar apenas férias.
Quem nos procura tem direito a gozar as suas férias da melhor maneira possível. Quem desenvolve os negócios tem que respeitar a natureza e tem que ser responsabilizado pelas suas atitudes. Quem manda nisto tudo tem que ser responsabilizado pela atual situação e por não colocar os madeirenses à frente. Lembrem-se que todos os recursos são limitados e a natureza, por vezes, não perdoa e que não queremos uma Madeira sem madeirenses.