Os intransigentes da política
Não há festa, nem festança, em Portugal, que não acabe por se transformar num arraial de vaidades provincianas e num palco reservado aos eternos gerontes – esses bonzos da política local, enchouriçados nos seus hábitos, que confundem liderança com longanimidade e repetição. A cada quatro anos, ensaia-se a mesma paródia eleitoral, protagonizada por espantalhos com vestes negras que nem as da Inquisição, embrulhados na opacidade de alianças e entendimentos duvidosos, numa cultura de poder que propicia o medo e esmaga o impulso transformador – e que protagoniza um profundíssimo silêncio ensurdecedor quando se fala de jovens.
É neste ambiente zoológico, pestilento de pusilanimidade e descrença popular nas instituições, que os jovens tentam, ardentemente, fazer ouvir a sua voz – e essa tentativa, ainda que inaudita, é recebida como um acto de insolência.
Porque os jovens incomodam. Não pela sua idade, mas pela sua ousadia. Porque não têm medo de fazer perguntas. Porque não se deixam comprar com discursos ocos nem com t-shirts de campanha. A sua presença desinstala. Obriga a mexer em coisas que os poderes instalados preferem deixar quietas. Obriga a questionar um sistema que, há muito, resvala para o parasitismo, para a opacidade, para o cansaço moral.
Há quem veja neles um problema. Na realidade, são um sintoma. Um sintoma de uma democracia cansada, onde a participação política se tornou uma coreografia previsível e muitas vezes inútil. Um país que afasta os jovens da política porque tem medo daquilo que eles podem exigir. Habitação. Transportes. Salários que não sejam uma ofensa. E respeito. Sobretudo respeito, porque ainda há quem se recuse a ser mero espólio estatístico ou figurante decorativo em campanhas meticulosamente encenadas para alimentar tabloides ávidos de frases feitas.
A juventude, essa legião de idealistas, surge como uma simbiose de utopia e pragmatismo, de sonho e de denúncia – porque crescer numa geração amputada pela crise climática, pela erosão da credibilidade dos partidos, pela precariedade laboral e pelo hipermaterialismo vazio, é crescer entre ruínas e ainda assim ter de reconstruir. Essa mesma juventude que é tantas vezes caricaturada como sirigaita moralista ou lunático com beca, é, afinal, a que ousa perscrutar o horizonte com binóculos, mesmo quando a vista é toldada pelo negrume institucional e pela perpetuação de um status quo generalizadamente blindado.
E, ainda assim, há jovens que não desistem. Que aparecem. Que se candidatam. Que desafiam os poderes fáticos. Que falam quando lhes pedem silêncio. Que enfrentam os insultos, os olhares enviesados, os matraquilhos da política local. Jovens que não têm sobrenome de ministro, nem o aval dos bonzos do regime. Têm apenas ideias. E uma coragem que faz falta.
A participação dos jovens nas eleições autárquicas de Outubro não é só desejável. É necessária. Porque sem ela, o sistema continuará a vegetar entre a indiferença e o teatro. Continuará a ser conduzido por espantalhos de discursos ensaiados, por lunáticos com beca e por oportunistas de vestes negras. Continuará a afastar os melhores, os mais ousados, os mais inconformados.
Os jovens não são apenas o futuro; são também o espelho cruel do presente e o último reduto de esperança num sistema político esclerótico, vergado ao culto feroz do interesse próprio e refocilando-se de gozo na ataraxia dos bem instalados.
Se é verdade que cada geração tem os seus delirantes, os seus bufos e os seus espantalhos, também é verdade que há sempre, em cada tempo, uma vanguarda disposta a lutar – não por uma quimérica revolução redentora, mas pela decência possível. Não é pouco. E é, por vezes, tudo.