A Responsabilidade jornalística não pode ser ignorada

Exmos. Leitores,

Escrevo esta carta como cidadão atento e profundamente preocupado com o rumo que certa prática jornalística tem tomado na nossa região. O Jornal da Madeira, infelizmente, tem dado repetidas provas de desprezo pelos princípios mais básicos do jornalismo: a verificação rigorosa dos factos, o respeito pela verdade e a responsabilidade social da informação.

Nos últimos meses, este meio tem publicado fotografias enviadas por particulares — sem qualquer verificação de contexto ou conteúdo — acompanhadas por legendas sensacionalistas, muitas vezes falsas ou profundamente distorcidas. O caso mais recente é particularmente

grave: a publicação de uma imagem de uma tenda montada nas imediações de um restaurante em Câmara de Lobos, onde se afirma, com segurança e sem fundamento, que se tratava de estrangeiros a acampar ilegalmente.

A realidade, no entanto, é bem diferente — e conhecida por quem vive e observa de perto esta zona. As pessoas retratadas não são turistas.

São residentes locais em situação de extrema vulnerabilidade, pessoas com dependências ativas e sem-abrigo, que pertencem a um grupo que, há muito tempo, frequenta os níveis inferiores de um parque de estacionamento subterrâneo a escassos 50 metros do local fotografado.

É ali que muitos deles dormem, comem e consomem drogas pesadas. São seres humanos abandonados por um sistema que falha em oferecer alternativas dignas, e não forasteiros em busca de acampamento gratuito.

Recentemente, o mesmo jornal voltou a publicar uma notícia insinuando que havia estrangeiros a acampar junto ao parque de estacionamento do Leroy Merlin. Novamente, trata-se de um caso de pessoas sem-abrigo. Eu próprio vi — com os meus próprios olhos — a mesma pessoa a dormir naquele local em várias ocasiões. Não são turistas. São pessoas que vivem na rua, à margem da dignidade e da atenção pública.

Transformar este drama social em narrativa xenófoba e desinformada é não apenas injusto, mas perigoso. É manipular a opinião pública com base em preconceito e ignorância, desviando a atenção dos verdadeiros problemas que enfrentamos enquanto sociedade.

É inadmissível que, em pleno ano de 2025, ainda existam órgãos de comunicação social que tratam a informação desta forma leviana. A publicação de conteúdos não verificados, com legendas incorretas ou deliberadamente enganadoras, viola os princípios fundamentais da ética jornalística e mina a credibilidade de toda a imprensa regional.

Isto não é jornalismo.

É irresponsabilidade.

É desinformação.

E deve ser denunciado — e, idealmente, sancionado.

Apelo aos órgãos de comunicação que ainda se pautam pela integridade e pelo rigor para que não se calem perante estas práticas. Precisamos de um jornalismo que informe, que eduque, que investigue — não de um que se limite a amplificar boatos e reforçar estigmas sociais.

A verdade importa. O contexto importa. A dignidade humana importa.

E nós, enquanto sociedade, merecemos melhor.

Paulo Abreu