Balões, mármores e rendas incomportáveis
Não há forma amável de o dizer: a frase de Miguel Albuquerque que o DN Madeira noticiou no dia 23 de julho, “a subida no preço do imobiliário deve-se ao crescimento económico”, não é apenas uma falsidade, é um monumento de ignorância. Miguel Albuquerque afirma que é sinal de vitalidade económica, de atratividade, de sucesso, mas, para o comum, dos madeirenses a realidade é outra: os preços não sobem por abundância, mas por escassez — e a escassez, neste caso, não é acidental. É desenhada a régua e esquadro.
Constrói-se pouco. E o que se constrói, constrói-se caro — e, frequentemente, para quem vem de fora. Os madeirenses, com salários estagnados e rendimentos que mal-acompanham o custo de vida, vêem-se cada vez mais afastados dos centros urbanos. Empurrados para a periferia, quando não para fora da ilha. O acesso à habitação, direito fundamental, tornou-se privilégio.
A burocracia, em vez de garantir justiça e transparência, funciona como um filtro perverso: protege os interesses instalados e bloqueia quem quer fazer diferente. O setor da construção, longe de ser motor de progresso, tem servido demasiadas vezes como moeda de troca política, recompensa eleitoral ou palco de propaganda.
A bolha imobiliária que se instalou na região não é sinal de sucesso económico — é prova de um modelo desequilibrado, viciado em turismo massificado, em betão subsidiado, em fundos que chegam de fora. Mas raramente escorrem para quem mais precisa. As transferências financeiras, em vez de servirem para criar autonomia, alimentam uma dependência crónica.
E enquanto isso, o poder político celebra. Inaugura fogos de habitação social como se fossem oferendas pessoais, entre balões e placas de mármore, esquecendo que esses projetos são pagos com
o dinheiro de todos — e, sobretudo, com a necessidade de muitos. Transformar o mínimo exigível numa festa pública é sinal claro de como se perdeu a noção de serviço público.
A Madeira precisa de mais do que cimento e slogans. Precisa de um novo modelo económico.
Precisa de coragem política. Precisa, acima de tudo, de voltar a ser uma terra onde viver com dignidade não seja um luxo — mas uma possibilidade real para quem cá nasceu e cá trabalha.
José Augusto de Sousa Martins