Crescemos onde podemos ser
Crescemos a precisar de estabilidade emocional, de confiança na nossa mãe, no nosso pai, e de um amor que nos acalme e fortaleça. O resto, a vida ensina
“Já os vi na praia algumas vezes. Ele leva os filhos e parecem sempre todos tão bem”, dizia uma amiga para a outra numa esplanada, a propósito de um casal que ambas conheciam. Só que a verdadeira questão não está no que se vê, nem no que os outros vêem. Está no que se sente, e isso, não é sorte.
Aquilo que sentimos nem sempre se revela, especialmente em espaços públicos. E, na verdade, muitas meninas e mulheres tornaram-se especialistas em esconder o que sentem, por medo e vergonha. Medo de julgamentos, de expectativas culturais, sociais ou familiares. É urgente refletirmos sobre isto.
Uma família pautada pela estabilidade emocional é, antes de tudo, um espaço onde se pode ser quem se é. E sempre que encontramos adultos focados em alterar os comportamentos dos filhos, sem investigarem as necessidades de todos, adultos em busca de obediência e autoridade, percebemos, rapidamente, que esta é uma família sem estabilidade emocional.
E é fundamental compreendermos que estabilidade emocional não significa perfeição.
Não é crescer numa casa onde tudo corre bem, onde ninguém se frustra, onde as palavras são sempre doces e os dias suaves. Pelo contrário: uma família emocionalmente estável é aquela que enfrenta a vida como ela é, com os seus dias difíceis, os conflitos, os desafios, e ainda assim oferece pertença, dignidade e autenticidade.
É um lugar seguro, onde a criança, o adolescente ou o jovem, mesmo na dor, sabe que é visto, que importa, que tem valor e que merece estar e ser parte daquela família.
A parentalidade generativa, por ser consciente, convida-nos a isso mesmo; educar com base em valores essenciais como a igual dignidade, a autenticidade, o respeito pela integridade e a responsabilidade pessoal. Quando guiamos os nossos filhos com estes pilares, criamos muito mais do que crianças bem-comportadas. Criamos cidadãos conscientes, atentos aos contextos onde vivem, que sabem que têm voz e que essa voz importa. Jovens que não têm medo de questionar privilégios, de exigir inclusão, de transformar o mundo, em vez de apenas se adaptarem a ele.
Porque, por exemplo, viver num ambiente machista e misógino não é viver com estabilidade emocional. Crescer num lar onde predominam a raiva, a injustiça e o julgamento constante não é crescer com saúde emocional.
E educar não é apenas (de todo!) garantir o comportamento, é garantir a dignidade.
Os nossos filhos não são pára-choques emocionais.
O nosso papel não é torná-los bons a sobreviver, mas sim guiá-los para que possam manifestar a sua ternura, a sua empatia, a sua humanidade.
E o que se transforma, de forma profundamente radical, quando uma criança, ou um adolescente, um jovem, cresce numa família que oferece estabilidade emocional?
Esse ser em construção aprende a estar com a sua dor, sem a esconder. Aprende a reconhecer os próprios limites sem se envergonhar deles. Aprende que pode errar sem deixar de merecer amor. Aprende, em suma, a ser humano. E que ser humano é suficiente.
Essa estabilidade não vive apenas nas palavras. Ela manifesta-se nos comportamentos. E é aí, nos gestos do dia a dia, que a verdadeira saúde emocional de uma família se revela. Partilho alguns exemplos:
Os erros são investigados com curiosidade, com empatia e não com humilhação.
Existem limites claros, conscientes e coerentes, que ensinam responsabilidade, sem humilhar.
As emoções são acolhidas, validadas e não são reprimidas. Existe acolhimento emocional genuíno.
Existe espaço para conversas difíceis sem medo de rejeição ou de humilhação.
A criança sente que tem valor mesmo quando falha.
Há espaço para ser diferente, para discordar, para ser autêntico.
O adulto também se mostra vulnerável e assume responsabilidade pelas suas emoções.
Há escuta, respeito e conexão.
Existe respeito pela individualidade, sem comparações. O que revela aceitação plena das suas características.
A criança é reconhecida em vez de elogiada, o que a validada como pessoa, não apenas pelo que faz.
É nesta base, neste solo emocional fértil, que se constrói um ser humano capaz de cuidar de si, dos outros e do mundo.
A estabilidade emocional não é uma utopia. É uma escolha consciente, um exercício diário de coragem e presença.
As emoções são minimizadas ou desvalorizadas (“não é nada”, “isso passa”, “não tens razão para te sentir assim”, “não mereço que te sintas assim”).
O erro é punido com vergonha.
Há castigos, ameaças, punições.
O medo está presente nas relações (medo de falar, de ser, de sentir).
O silêncio impera em vez da escuta.
A criança sente que precisa esconder partes de si para ser aceite.
As regras são rígidas, incoerentes, e os adultos não se responsabilizam pelo seu comportamento, culpabilizando a criança de tudo o que os próprios não sabem lidar.
O amor é usado como moeda de troca (“se fizeres isto gosto de ti…”)
A criança sente que tem que cumprir as regras que os adultos criaram para poder pertencer, senão é excluída, castigada.
Quando uma criança cresce num ambiente familiar sem estabilidade emocional, tende a tornar-se um adulto com uma autoestima frágil, alguém que, tantas vezes, sente que não merece ser amado.
Mas quando educamos com presença e com amor incondicional, os nossos filhos sentem que são importantes. Percebem que não podem fazer tudo o que querem, que há limites e regras, e respeitam-nos.
Mas, acima de tudo, sabem, porque sentem, que podem sempre contar connosco. Independentemente do seu comportamento. Nada me preenche mais do que saber que as minhas filhas sentem isso na nossa casa.
Porque educar com amor também é educar com verdade.
E onde existe espaço para ser verdadeiro, existe espaço para crescer.