Terá sido investido mais dinheiro na escarpa da marginal da Calheta do que na Marina do Lugar de Baixo?
A queda de blocos rochosos, ontem, na marginal da Calheta trouxe à memória episódios semelhantes menos felizes, que, no passado, chegaram a custar algumas vidas.
Sem que nada o fizesse prever, na tarde desta terça-feira, rochas de pequenas dimensões desprenderam-se do talude e caíram para a via pública. Algumas viaturas que estavam estacionadas junto à berma sofreram vários danos, mas, felizmente, não houve pessoas feridas. Para o local foram mobilizados os Bombeiros Voluntários da Calheta, o Serviço Municipal de Protecção Civil e a Polícia de Segurança Pública, que, em conjunto, tomaram conta da ocorrência.
Pese embora a baixa gravidade da situação, este episódio trouxe para a ordem do dia as reivindicações da população e de alguns autarcas, entre eles Carlos Teles, actual presidente da Câmara, para que se avance para a segunda fase da estabilização da escarpa, uma empreitada que é da responsabilidade do Governo Regional.
A notícia publicada pelo DIÁRIO sobre o incidente gerou várias reacções. Uma delas, a do leitor Gabriel Pecegueiro, aponta para os milhões de euros desta intervenção, referindo que já custa mais do que a Marina do Lugar de Baixo. Mas será mesmo que já foi investido mais dinheiro na estabilização da escarpa da marginal da Calheta do que na obra da Marina do Lugar de Baixo? É isso que vamos aqui avaliar.
Ainda que ultimamente seja menos frequente, a queda de pedras da escarpa da marginal da Calheta tem causado alguns sustos a locais e visitantes. Uma das situações mais graves ocorreu em Fevereiro de 2019, quando uma derrocada acabou matando uma jovem cozinheira de 23 anos que estava a trabalhar num dos restaurantes da localidade. Ficou soterrada. Desde então, vários episódios de queda de rocha têm provocado danos materiais, nas estruturas públicas ou em viaturas.
Para minorar o risco, o Governo Regional, através de vários dos seus organismos [Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas, Secretaria Regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus, Vice-Presidência do Governo Regional ou Secretaria Regional do Equipamento Social], tem vindo a realizar algumas intervenções com vista à estabilização da escarpa.
Carlos Teles evidência "caminho de sucesso" da "nova centralidade" em que se tornou a Calheta
O presidente da Câmara Municipal não esqueceu a comunidade emigrante da localidade
Nos últimos dois anos, fazendo eco das reivindicações da população, Carlos Teles, presidente da Câmara Municipal da Calheta, tem evidenciado a necessidade de dar seguimento aos trabalhos iniciados em 2018, com o que diz ser a segunda fase da empreitada.
Nas cerimónias comemorativas do Dia do Concelho, no mês passado, esse assunto voltou a ser trazido para a ordem do dia. O autarca aproveitou a presença de Miguel Albuquerque para voltar a pedir esse investimento ao Executivo madeirense.
Carolina Rodrigues , 15 Julho 2025 - 20:40
Como referido, a queda de rocha na passa terça-feira fez soar os alarmes e foram vários os leitores do DIÁRIO que, na nossa plataforma ou nas redes sociais onde a nossa notícia sobre essa ocorrência foi replicada, voltaram a salientar a importância e urgência dessa empreitada. Mas houve também quem criticasse o investimento feito.
Foi o caso de Gabriel Pecegueiro, que criticou o facto de já muito investimento ter sido feito na consolidação daquela escarpa e as derrocadas continuarem a acontecer. Dizia mesmo, que nos últimos 10 anos, essas intervenções já representam um custo superior ao da Marina do Lugar de Baixo.
Mais dinheiro para a escarpa… desde que me lembro, já vai uns dez anos, [esta empreitada] custa mais do que a Marina do Lugar de Baixo. [É] caso de investigação. Leitor Gabriel Pecegueiro, num comentário a uma notícia do DIÁRIO
Mas será mesmo assim? É isso que nos propomos aqui avaliar.
Para tal, em relação à obra da Marina do Lugar de Baixo, no que toca aos seus custos, tendo em conta o muito que já foi notícia nas páginas do DIÁRIO ao longo das últimas décadas, vamos assumir como custo da obra, considerando a marina propriamente dita e a consolidação da escarpa, uma verba entre 80 a 100 milhões de euros.
Em relação aos gastos com as intervenções levadas a cabo na escarpa da marginal da Calheta e talude sobranceiro ao Porto de Recreio, e de modo a sermos mais abrangentes, vamos alargar o hiato temporal da análise a pelo menos 15 anos, indo além dos 10 anos apontados pelo nosso leitor.
Ora, além de nos socorrermos da informação disponibilizada pela Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas, que estima que, nos últimos oito anos, entre 2018 e a presente data, correspondendo ao período de governação dos executivos liderados por Miguel Albuquerque, foram investidos na referida escarpa 5,3 milhões de euros, com vista à reparação e reforço das estruturas do talude sobranceiro ao arruamento que corre toda a frente mar da Calheta e do respectivo Porto de Recreio.
Mas, para detalharmos um pouco mais os números, consultámos a plataforma de contratação pública, que junta informação desde 2009. Nesta base de dados, embora se salvaguarde que alguns contratos de obras públicas possam não estar ali reflectidos ou a sua catalogação/descritivo possa não permita uma identificação imediata ao objecto em apreço, encontrámos pelo menos cinco contratos relacionados com esta matéria.
Existem dois contratos de maior monta: um de 2011 e outro de 2018, ambos de montante contratual um pouco além dos quatro milhões de euros. Um terceiro contrato ronda dos 200 mil euros, enquanto outros dois são de verbas inferiores a 100 mil euros. Alguns destes contratos acabaram por sofrer alteração do preço final, por razões várias, maioritariamente devido ao maior custo dos materiais (sobretudo nos contratos mais recentes) ou ao alargamento o objecto contratado.
Feitas as contas, constatamos que nos últimos 15 anos, o Governo Regional investiu, pelo menos e de forma arredondada, cerca de 10 milhões de euros na consolidação ou outras intervenções na escarpa sobranceira à marginal e ao Porto de Recreio da Calheta.
Facilmente se percebe que o valor aplicado na construção da Marina do Lugar de Baixo foi bem superior a esta montante, razão pela qual consideramos falsa a afirmação do leitor Gabriel Pecegueiro.