Crescer na Era Digital: o desafio de educar rapazes e raparigas hoje
A adolescência sempre foi uma fase de transição, descoberta e turbulência. No entanto, nas últimas décadas, algo mudou de forma profunda. Os jovens de hoje crescem num contexto radicalmente diferente, onde os telemóveis, as redes sociais e a cultura digital moldam intensamente o seu desenvolvimento emocional, social e identitário.
Jonathan Haidt, em “A Geração Ansiosa”, descreve uma geração marcada por fragilidade emocional, solidão e ansiedade, entre a combinação do avanço dos smartphones e da internet de banda larga, e a crescente limitação da autonomia infantil. À medida que as crianças deixaram de brincar livremente na rua, passaram a viver ligadas a dispositivos que capturam tempo, atenção e afetos. O declínio da brincadeira espontânea, aliado à hipervigilância parental, tem produzido adolescentes menos capazes de lidar com o desconforto, o conflito e a rejeição — componentes inevitáveis da vida adulta.
A situação é particularmente preocupante no caso das raparigas. Haidt apresenta dados de vários países ocidentais que revelam um aumento sem precedentes nos sintomas de depressão, ansiedade, automutilação e distúrbios alimentares entre as adolescentes. Em ambiente online, o cyberbullying, a pressão estética, a comparação constante e a exposição à validação externa — medida em seguidores e “likes” — transformaram o corpo das jovens numa moeda emocional de alto risco. Crescer tornou-se, muitas vezes, depender do olhar impiedoso, sexualizado ou indiferente dos outros.
Mas também os rapazes enfrentam dificuldades profundas, ainda que distintas. Richard Reeves, em “Of Boys and Men”, revela que têm vindo a registar piores resultados escolares, maiores dificuldades de inserção profissional e maior propensão ao isolamento e a comportamentos de risco, muitos internalizados, invisíveis e digitais. Estes fenómenos acentuaram-se com a digitalização, mas têm raízes mais antigas, ligadas à reconfiguração económica, laboral e social desde os anos 70: o declínio de empregos baseados no físico, a desagregação familiar, o afastamento da figura paterna e a redefinição — muitas vezes ambígua — dos papéis de género.
Muitos rapazes crescem hoje sem modelos masculinos positivos, numa época em que a masculinidade é frequentemente retratada como tóxica ou antiquada. Este espaço tem sido ocupado por figuras da chamada manosfera, que oferecem pertença e propósito à custa do desprezo pelas mulheres, da glorificação da força e da rejeição da vulnerabilidade. Para responderem às suas necessidades de risco, ação e pertença, muitos rapazes recorrem a videojogos imersivos, apostas online, desafios perigosos em redes sociais e pornografia, que recompensam no imediato sem risco real, mas comprometem a capacidade de criar intimidade. De formas distintas, rapazes e raparigas acabam capturados pela lógica de atenção das grandes plataformas digitais.
Haidt e Reeves convergem num diagnóstico fundamental: os jovens estão menos preparados para a vida adulta. A adolescência prolongou-se, mas sem oferecer os instrumentos emocionais e sociais necessários à autonomia, responsabilidade e compromisso. Crescem em contextos sobreprotegidos, onde se evita o desconforto em vez de ensinar a enfrentá-lo.
Responder a este desafio não exige regressar a modelos ultrapassados, mas sim reconstruir uma educação para a maturidade. É essencial que as raparigas construam o seu valor para além da aparência e da aprovação digital, e que os rapazes descubram formas de masculinidade assentes na empatia, no cuidado e na responsabilidade. Urge reconhecer a distinção entre uso benéfico e prejudicial da tecnologia, mas também devolver aos jovens tempo sem ecrãs, espaço para errar, brincar e crescer — e repensar a estrutura da vida familiar. Famílias com mais tempo, mais laço e mais estabilidade darão origem, a prazo, a uma sociedade mais saudável, produtiva, e capaz de formar adultos livres, resilientes e preparados para viver em comunidade. Ignorar os sinais — já tão evidentes — será um erro com consequências duradouras.