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Crónicas

Funciona sobretudo quando é difícil

É assim que deixamos o piloto automático e mergulhamos, intencionalmente, em presença e verdade. O que acontece depois? Essa é a parte que pode mudar tudo

Pode haver dias em que gritamos quando só queríamos ser ouvidos. Pode haver momentos em que dizemos “vai para o quarto” quando, no fundo, o que sentimos é medo de não saber lidar. Pode haver alturas em que pensamos em castigar, não porque queremos castigar, mas porque aprendemos, quase sempre pela experiência, que é assim que se educa. Mas por baixo de tudo, por trás de cada gesto, certo ou errado, existe algo que raramente é visto. A intenção.

A força da intenção é uma direção para nós e para as nossas ações. Ela é o ponto de partida para qualquer relação saudável e autêntica.

Vivemos tempos em que o comportamento das crianças (e dos adultos, também!) parece ser o foco de tudo: controlar, corrigir, conter. E muitos adultos, vão mudando as estratégias parentais, continuando a utilizar a manipulação, o autoritarismo para conseguirem obediência e não mudam a intenção. E com isso, esquecem-se do mais importante: a relação.

Esquecem-se (por variadíssimos motivos) de olhar para além do que os filhos fazem. Esquecem-se do essencial: ver quem os filhos são, quais as suas necessidades, de validar as suas emoções, de investigar o que sentem, o que pensam, o que realmente precisam a cada momento. Esquecem-se de ser porto seguro.

“Porque é que hei de validar as emoções dos meus filhos?, perguntam-me ainda, alguns. Validar as emoções de alguém com a intenção genuína de criar e nutrir uma relação saudável parte de um lugar de respeito, conexão e amor. É um gesto que diz: “Importas. Eu vejo-te. Estou aqui contigo.” É fácil perceber a importância que tem, não é?!

Já quando o objetivo é gerar obediência, mesmo que subtilmente, a validação deixa de ser um acto de presença para se tornar uma estratégia de controlo. E isso, mais cedo ou mais tarde, mina a confiança, corrói e destrói a relação.

A intenção por trás do gesto é o que define a qualidade da relação. Não se trata apenas do que fazemos como pais (e não só!), mas de onde isso vem dentro de nós, ou seja, qual é o propósito, a motivação, a energia por trás da nossa escolha ou reação.

Uma relação generativa, consciente não se constrói, nem nutre com manipulação disfarçada de empatia, mas com autenticidade e compromisso com o outro como ele é não como queremos que ele se comporte.

E ainda há tantos pais, tantos adultos (como os próprios gostam de se autoproclamar) que se recusam a entender que, por mais desafiante que seja uma atitude, há sempre um convite por trás:

“Estás comigo, agora, neste momento desafiante?”

“Ainda sou digno do teu amor, mesmo quando erro?”

Às vezes, fico com a sensação que cresce o número de adultos que seguem o caminho menos consciente. É que é mais fácil querer que o outro mude. Usam a chantagem emocional, subornos e prémios, quando não funciona passam para as ameaças, castigos e a punição. Porque não têm intenções bem definidas e não conseguem ver além daquela situação em particular.

É mais difícil parar. Respirar. E perguntar:

“O que é que a nossa relação precisa agora?”

E isto é a diferença entre corrigir uma criança com intenção de a controlar vs. corrigir com intenção de a guiar. Outro exemplo é; gritar com a intenção (inconsciente) de descarregar frustração vs. comunicar com a intenção de se conectar. Porque uma criança pode obedecer por medo… apenas e só! Mas só se conecta por confiança. E é a confiança que educa. É a relação que transforma.

As intenções saudáveis incluem a conexão emocional. Por isso, na prática da parentalidade generativa (que é absolutamente consciente) começamos por cultivar a conexão. Agimos e comunicamos com respeito pela individualidade da criança. Escolhemos responder com coerência interna, mesmo nos momentos mais desafiantes. Quando o fazemos a partir do amor incondicional, criamos espaço para o crescimento mútuo: nosso e do outro. É essa presença consciente que transforma a relação e a torna verdadeiramente geradora de confiança, vínculo e aprendizagem.

Corrigir o comportamento pode trazer resultados imediatos (com todas as consequências emocionais e muitas vezes, físicas que daí advém e já descritas e comprovadas pela neurociência). Só que cuidar da relação traz resultados para a vida. Não se trata de permissividade, trata-se de presença. Trata-se de consciência!

Não se trata de ceder, mas de compreender.

De nos perguntarmos:

“Por que estou a fazer isto agora?”

“Estou a agir com base no medo ou no amor?”

“Esta atitude contribui positivamente para a relação ou afasta-nos?”

Quando colocamos a relação no centro, algo muda; os nossos filhos deixam de ser “problemas para resolver” e voltam a ser pessoas em construção.

E nós deixamos de tentar ser pais e mães perfeitos, para sermos humildemente humanos, a aprender, a crescer, com outros humanos, mais pequenos, mas nem por isso menos sábios. Pelo contrário, tenho a convicção que os nossos filhos são mesmo os nossos maiores e mais sábios gurus. Porque educar não é sobre perfeição, é sobre conexão.

A intenção que colocamos nos nossos gestos talvez ninguém veja. Mas é ela que sustenta tudo. É ela que ensina sem palavras. É ela que diz: “Estou aqui. Mesmo quando é difícil. Sobretudo quando é difícil.”

E isso… transforma tudo.