Longe da vista, longe do coração
E o mais fácil é sempre tentar esquecer desde que não esteja a acontecer connosco
Quando penso no estado atual do mundo, nos conflitos que um dia sonhámos nunca mais testemunhar, embalados pela esperança de que, desta vez, aprenderíamos finalmente com o passado, apenas me ocorre o velho ditado: “Longe da vista, longe do coração”. No entanto, esta frase parece não encaixar no contexto presente. A nossa “vista” é diariamente inundada por notícias desastrosas, a relatar os mais recentes bombardeamentos, ao mesmo tempo que nos deparamos com imagens desoladoras, partilhadas nas redes sociais, de crianças a morrer à fome. Por isso, resta-me suspeitar que tudo isto estará apenas “longe do” nosso “coração”.
A disseminação das redes de informação permitiu-nos aceder, indiscriminadamente, a conhecimentos previamente reservados a elites detentoras de informação privilegiada. Hoje é praticamente impossível desconhecer os pormenores dos conflitos no mundo e das crises humanitárias que assolam populações inteiras, dificultando alegações de ignorância. Facto é que, quanto mais distantes os problemas, menos nos responsabilizamos pela sua resolução, e o mais fácil é sempre tentar esquecer desde que não esteja a acontecer connosco. Questiono-me se, como seres humanos, estaremos limitados a acionar as nossas capacidades interventivas apenas na iminência de uma ameaça direta. Neste momento, a empatia pelos outros resume-se ao comentário circunstancial “coitados, que desgraça”.
Bem perto de nós, não assistimos a disputas armadas ou emergências humanitárias, mas observamos passivamente correntes disruptivas de discórdia e ódio a infiltrarem-se nas nossas instituições democráticas, acentuando diferenças que só existem para alimentar segregacionismos. Acompanhamos em primeira mão o crescimento - por nós sustentado - de ideologias políticas incendiárias que ameaçam deixar os vulneráveis mais vulneráveis, ao mesmo tempo que forças partidárias outrora reconhecidas por princípios fundamentalmente democráticos vacilam em virtude da sobrevivência política. A nossa dessensibilização para o sofrimento dos nossos conterrâneos do mundo parece ter como único limite as fronteiras da nossa individualidade.
Proponho um exercício coletivo que, apesar de abstrato, cumpre o propósito de nos relembrar o que nos aproxima mais do que o que nos divide. Em Uma Teoria da Justiça, John Rawls desenvolve o conceito de “posição original” em que sob um “véu de ignorância”, - traduzido no desconhecimento total da nossa lotaria genética e social, bem como o que futuro nos aguarda - um indivíduo escolheria princípios de justiça que privilegiassem a equidade. Sugiro então que nos transportemos todos os dias para a “posição original”, cegos sobre quem poderíamos ser ou onde iríamos acordar. Imaginemos o que seria ser um palestiniano sob fogo, um ucraniano em fuga, uma criança faminta, um imigrante em Portugal, um indivíduo transgénero, homossexual, uma mulher e tentemos equilibrar a balança.