DNOTICIAS.PT
Artigos

“Eu quero um mundo só meu… e de todos os outros”

Andamos todos à volta do “eu” e o mesmo tornou-se tão natural que acreditamos que é o normal. O reforço da individualidade é a cereja no topo do bolo, e ser autêntico deixou de ser uma obrigação.

Não é por acaso que ouvimos com frequência frases como “preciso do meu espaço” vou seguir o meu caminho e, de fato, este pensamento não está errado, todos nós precisamos e temos um espaço interior só nosso, onde somos genuínos, num lugar sem vigilância, sem julgamentos e sem atuações.

No entanto esta frase, “eu quero um mundo só meu… e de todos os outros” parece contraditória à primeira vista, mas guarda uma verdade profunda sobre a condição humana, somos indivíduos, sim, mas também somos relação, vivemos em comunidade.

Ao pedir um mundo “só meu”, falamos de um impulso natural, o desejo por singularidade, por identidade, por um espaço onde o eu se reconheça e se proteja, mas também um mundo “de todos os outros”, onde aceitamos que esse mundo que imaginamos só nosso, jamais estará isolado.

Não basta querer liberdade para cada um de nós, é preciso querer liberdade também para os outros, e isso, inevitavelmente, exige responsabilidade, exige saber viver numa sociedade que cada dia pertencemos mais aos outros e não a cada um de nós.

Esta utopia de um mundo “só meu” põe em causa os limites da realidade compartilhada porque é no confronto de mundos pessoais e únicos que se constrói a convivência. É ali que aprendemos a negociar os nossos desejos, a delimitar os contornos do respeito mútuo, a reconhecer a dignidade do outro.

Por outro lado, querer um mundo “de todos os outros” não significa anular-se. Essa comparação não é apenas poética, ela é o resultado das próprias vivências.

Vivemos tempos marcados por desigualdades, preconceitos e exclusões, e o sonho de um mundo “de todos” ainda é uma construção por fazer, não chega que alguns, muito poucos, conquistem os seus mundos privados e exclusivos, enquanto outros, têm o direito ao básico sejam eles, a voz muda e calada, ao corpo e ao “espaço”.

Querer um mundo só meu… e de todos os outros é, chegar a um acordo, em que minha liberdade não seja construída à custa do outro, um acordo em que minha identidade não precise de apagar outra, em que possamos compartilhar o mundo sem que ninguém precise pedir permissão para existir.

No fundo, essa frase convida a reflexão. Sim, eu quero um mundo só meu, onde eu possa ser inteira, autêntica, estar em paz, mas também quero um mundo de todos os outros, porque só no encontro com os outros é que o meu mundo ganha sentido, profundidade e humanidade.

Se esta frase é uma contradição, talvez seja porque estamos desaprendendo a pensar em coexistência. Está na hora de reaprender.

Todas as minhas histórias, conversas, viagens, afetos e memórias são sempre partilhadas e ou vividas com outras pessoas.

Todos os meus pensamentos, sentimentos e desejo, são o resultado do que recebo do mundo, o que recebo dos

outros.

Eu sou, mas sou porque fui sendo com os outros. E, por isso, o mundo que é só meu precisa, inevitavelmente, ser também de todos os outros.

O mundo deve ser um lugar onde se possa estar inteiro, sem precisar estar sozinho, porque o mundo só faz sentido quando é plural.