O passageiro deixa de ter liberdade de reclamar?
A espera dentro dos aviões em algumas companhias e situações acontecem frequentemente. Ontem no voo da Easyjet estendeu-se por várias horas
Foi notícia ontem a retenção dos passageiros do voo EJU7625 da Easyjet na aeronave durante cerca de oito horas, isto depois de terem embarcado em Lisboa rumo à Madeira, uma viagem que deveria levar cerca de uma hora e meia. O avião foi obrigado a regressar à capital devido às más condições atmosféricas que se verificavam no Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo que impediram a aterragem, mesmo após a tentativa. Mas o que os passageiros não contavam era terem de ficar tantas horas depois em atraso de pista, ou ‘tarmac delay’, como internacionalmente é referido o tempo em que os passageiros ficam dentro do avião antes de descolar, ou após a aterragem.
Na base da espera no regresso ao Aeroporto Humberto Delgado terá estado, segundo um dos passageiros visados, a falta de tripulação para realizar o novo voo e a falta de informação e respostas por parte da companhia.
Num dos comentários, um leitor do DIÁRIO reagiu: “Se o passageiro esperar horas no aeroporto pelo avião, pode reclamar à vontade. Caso a espera seja dentro da aeronave, aí as coisas mudam, porque o passageiro deixa de ter liberdade de reclamar”. Perde o passageiro o direito de reclamar quando a espera é dentro do avião?
O Regulamento (CE) n.° 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, estabelece as regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos. O atraso do voo é considerado tanto em relação à partida, como à chegada ao destino. Se chegar ao destino final com um atraso igual ou superior a três horas, o passageiro tem direito a uma indemnização, excepto quando o atraso se deva a circunstâncias extraordinárias, como é o caso das más condições meteorológicas, refere a legislação europeia.
A compensação financeira está prevista ainda para casos de cancelamento. No caso dos passageiros em questão, o segundo voo que deveria trazê-los à Madeira, numa nova tentativa e com nova tripulação, não se realizou. Mas a lei em vigor diz que as transportadoras aéreas devem indemnizar os passageiros, a menos que o cancelamento se tenha ficado a dever a circunstâncias excepcionais que não poderiam ter sido evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis.
Não obstante as concusões relativamente à extensão da responsabilidade da companhia, o direito a assistência continua a estar previsto. Isto quer dizer que a transportadora aérea deve garantir bebidas, refeições de acordo com o tempo de espera e ainda duas comunicações por passageiro, que podem ser por telefone, fax ou e-mail, além do acesso aos lavados e ar condicionado. No entanto, as companhias aéreas não são obrigadas a oferecer aos passageiros a opção de desembarcar.
Em situações em que a espera é longa, diz a Agência da União Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) que o comandante deve avaliar a segurança dos passageiros, as condições a bordo, nomeadamente a temperatura, ventilação, água e lavabos, bem como a viabilidade de reencaminhar os passageiros para o terminal. Normalmente quem decide o tempo de permanência dentro da aeronave é a coordenação operacional da companhia em causa, explicou-nos um piloto, podendo, se a espera for longa, tendo em conta que o ar condicionado tem de estar ligado e consome combustível, obrigar a reabastecimento e dependendo das horas já cumpridas de voo a substituição da tripulação enquanto aguardam os passageiros na aeronave.
Nos Estados Unidos em algumas companhias o ‘tarmac delay’ máximo está limitado a três horas em voos domésticos, ou seja no máximo os passageiros ficam retidos no avião por esse tempo, após o que são desembarcados.
Em relação à reclamação, à semelhança do que acontece na gare, o passageiro que se considere lesado pela companhia pode apresentar uma queixa à própria transportadora, mas não só. Tem três anos, a contar da data do voo, para reclamar junto da Autoridade Nacional da Aviação Civil – ANAC, que é a entidade em Portugal responsável pelo cumprimento da legislação neste campo e a quem os passageiros devem recorrer em caso de violação dos seus direitos. Podem ainda apresentar queixa através do Livro de Reclamações Electrónico; recorrer à Direcção-Geral do Consumidor, que promove o acesso dos consumidores aos mecanismos de resolução de conflitos do consumo; ao Centro Europeu do Consumidor, que a nível mais abrangente procura garantir esta defesa; e em última instância aos tribunais.
Face a este conjunto de possibilidades, concluímos que não é verdade que o passageiro deixa de ter liberdade de reclamar quando a espera é no interior do avião.