Populismo, Desilusão e o Fracasso da Esquerda

Ouvimos todos os dias, ou quase todos os dias, nas televisões, nas rádios e nas redes sociais o slogan indignado: “Fascismo nunca mais!”

Há quem vá ainda mais longe, defendendo que partidos como o Chega deveriam ser proibidos por fomentarem o fascismo, o racismo e o ódio.

Estas declarações provêm, na sua maioria, de setores da extrema-esquerda e da esquerda moderada.

Concordo com elas? Não. De modo algum.

Simpatizo com o Chega? Também não. Trata-se de um partido ruidoso, provocador, que se alimenta da polarização, agregando em torno de si um grupo disposto ao confronto político constante. Um partido sem profundidade, sem “sumo”.

Mas — e aqui reside o ponto fulcral — tem o direito de existir. É precisamente para isso que serve a democracia: garantir espaço a todas as vozes, mesmo àquelas que nos incomodam ou confrontam. E esse direito foi reforçado nas últimas eleições legislativas, quando uma significativa percentagem do eleitorado português legitimou a sua presença no Parlamento, através do voto direto.

Quem é o verdadeiro responsável por esse crescimento? As televisões, por lhes darem palco? Talvez em parte, mas não exclusivamente.

A responsabilidade maior recai sobre aqueles que passaram décadas no poder — a esquerda.

Desde Mário Soares, passando por Guterres e Sócrates, até António Costa, a esquerda governou Portugal durante quase três décadas. Tempo mais do que suficiente para transformar estruturalmente o país. E, no entanto, o que resta é um Estado pesado, uma sociedade desigual e uma população cada vez mais descrente.

Durante anos, essa esquerda teve uma ligação profunda com os mais desfavorecidos — os que vivem em zonas esquecidas, onde a vida é um permanente exercício de resistência.

Mas essa relação esvaneceu-se. A esquerda institucional tornou-se gradualmente mais burocrática e distante, mergulhada num intelectualismo estéril e presa a dogmas ideológicos que já não respondem às exigências do presente.

Dogmas que, em vez de libertarem, contribuíram para agravar o sofrimento de quem mais precisava de soluções concretas.

A chamada “geringonça” e os anos de governação de António Costa exemplificam este desfasamento. Com as finanças públicas em excedente, o governo optou por agradar a Bruxelas em vez de aliviar o peso que o Estado impõe sobre as famílias e empresas.

Perderam uma oportunidade histórica de reestruturar o país. Preferiram contemplar-se ao espelho, em vez de agir.

Hoje temos uma carga fiscal asfixiante, serviços públicos em colapso, corrupção, e uma sensação generalizada de que o sistema já não responde aos cidadãos. Isto, sim, é um autoritarismo subtil — um “fascismo disfarçado” pela aparência democrática.

O crescimento de forças populistas, como o Chega, é o sintoma direto desta traição.

As pessoas deixaram de acreditar na esquerda, no poder, nas promessas. Perderam a fé na política como instrumento de transformação. E a responsabilidade é, em larga medida, da própria esquerda que abandonou os seus princípios fundadores: a justiça social, a equidade, a proximidade.

O resultado é evidente: um partido de extrema-direita tornou-se o principal grupo da oposição. Não mudará Portugal. Falta-lhe substância. Mas ofereceu algo que a esquerda deixou de oferecer: esperança — mesmo que seja ilusória — àqueles que se sentem esquecidos.

Quanto a mim, resta-me continuar a lutar pela minha vida, sem esperar que o poder, tal como está constituído, traga algo melhor.

Sigo o conselho de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa): “Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim.”

E é precisamente esse o conselho que deixo.

Não como resignação, mas como ponto de partida para uma consciência mais crítica, mais lúcida — e, talvez, mais corajosa.

Francisco Câmara