O bom, o mau e as comadres
Enquanto a esquerda parlamentar se aflige com a perspetiva de uma maioria (à direita) suficiente para rever a Constituição e o Partido Socialista festeja, à moda de Pirro, ter sido o segundo partido mais votado, o Chega voltou a ganhar as legislativas nos círculos estrangeiros. O que leva, então, um emigrante a votar num partido abertamente hostil com os imigrantes? Parte da resposta está nos números eleitorais. Numa eleição onde poderiam votar, só fora de Portugal, mais de 1 milhão e meio de eleitores, entre ausentes e votos nulos, a percentagem de votos válidos foi de 15%. Quinze por cento! Os emigrantes votam no Chega porque se sentem abandonados. E para quem se sente abandonado pelo seu país, até o insulto parece - e merece - atenção.
O bom: Montenegro e a reforma do Estado
Espartilhado entre a possibilidade de uma alteração profunda da composição do Governo e a mera manutenção do elenco governativo, Montenegro tentou uma solução intermédia. Fugiu à previsível acusação, se tudo tivesse mudado, de que teria escolhido os nomes errados para o primeiro governo, mas não ficou à mercê do imobilismo de nada ter feito depois da evidente alteração de circunstâncias políticas que resultou das eleições. O primeiro-ministro virou-se para a política, com um núcleo duro escolhido a dedo, e agarrou-se à reforma do Estado para mostrar trabalho e tentar criar impacto na vida das pessoas. Há, no discurso de Montenegro, uma vontade inequívoca de mudar. De fazer. Percebeu que a contestação ao regime, materializada no crescimento do Chega, também é um grito por mudança e uma crítica à inércia governativa e aos sucessivos governos do Partido Socialista que se limitaram à gestão política da sua sobrevivência. O contexto político mudou e este governo não se pode entregar ao conforto da pasmaceira e à rotina da inconsequência. Mas não é só o sucesso governativo que está em causa, é a continuidade do regime democrático como hoje o conhecemos. Resta saber se estaremos – governo e oposição – à altura do momento.
O mau: Marcelo e a ativista
Assistimos, impávidos e serenos, à transformação da presidência dos afetos na presidência dos equívocos. Da visita do Presidente da República à Feira do Livro em Lisboa, só se aproveitam os livros e, até eles, se devem ter sentido envergonhados perante o inusitado embate entre o chefe de Estado e uma trabalhadora transformada em ativista. Primeiro, Marcelo. Cada vez mais esquecido da gravidade do lugar que ocupa e cada vez menos digno da página em que a História o irá lembrar. Há, no Presidente da República, uma obsessão pela proximidade que o impede de avaliar quando o momento exige mais recato e distância e menos afetos e abraços. Precisamente o que lhe faltou e o que deveria ter feito perante a interpelação da ativista. Ao mesmo nível, ainda que com responsabilidades distintas, a ativista que achou por bem encavalitar-se em Marcelo e fazer a “sua” conferência de imprensa. É a democratização do ativismo político, que convida ao sequestro de eventos públicos para que cada um possa defender a causa que entende mais justa. Com o beneplácito de Marcelo, ficou a lição: vale tudo, desde que seja “por uma causa”. Qualquer causa. E se for com câmaras por perto, ainda melhor. O Presidente, em vez de conter o disparate, premiou-o com atenção mediática e incentivo tácito. Depois admirem-se que há quem sonhe com um almirantado em Belém.
As comadres: Juntos pelo Povo
Diz o povo que sempre que as comadres se zangam, descobrem-se as verdades. No caso do JPP descobriu-se o que sempre se soube. As desavenças por lugares resolvem-se com a redistribuição desses mesmo lugares. Élia Ascensão zangou-se porque queria ser candidata e - à força e sob ameaça - lá acabou por ser. Filipe Sousa queria ter sido o primeiro na lista às regionais de 2023 e não foi. Mas sempre lhe coube um lugar na Assembleia da República. No partido que nasceu em Gaula e chegou ao Palácio de São Bento, o que choca não é o mercadejar de lugares, mas a facilidade com que se declaram guerras fratricidas, se ameaçam divisões insanáveis e a rapidez com que se compra a paz. Foi assim a queda e a ascensão de Élia. É curioso que o partido que se juntou pelo povo, tenha encomendado uma sondagem popular para escolher um candidato e tenha ignorado o resultado. Não escolheu o candidato mais votado. Não escolheu o segundo. E resolveu arriscar no terceiro. Não satisfeitos com a aselhice, ainda tornaram o facto público, com a boçalidade de quem tentou justificar um ajuste de contas pessoal como resultado de um processo interno democrático e de uma decisão política ponderada. A prova de que não era, viria alguns dias depois. Sai Paulo Alves e entra Élia Ascensão. E com a rápida substituição, caiu por terra toda a argumentação de que a escolha de Paulo Alves teria sido dos militantes - aliás os únicos que poderiam decidir - e que o que estaria em causa não eram pessoas mas o projeto partidário. Um autêntico paraíso de democracia partidária de curtíssima duração. Mas até a candidata preferida, mas só depois escolhida, fica mal na fotografia. Depois de ter acenado com uma candidatura independente e de ameaçar não apoiar Paulo Alves, bastou fazerem-lhe a vontade para que tudo, num ápice, se resolvesse. No JPP, quem não chora, não… entra.