Diagnóstico, a chave que liberta
Não é o diagnóstico que limita. É a ausência dele que impede que o mundo se adapte à criança (válido para adultos, também!)
“Rita, fechámos o diagnóstico, a Constança tem défice cognitivo e deficiência intelectual. Mas Rita, ainda há médicos que utilizam o termo ‘atraso mental’, se acontecer, já sabe ao que se referem”. Desabei em lágrimas. Investi 10 anos da minha vida a investigar, a pesquisar, na busca dos profissionais mais qualificados, em todo o mundo, para tentar perceber o que tinha afinal, esta minha filha, de diferente. Foram dezenas e dezenas de exames, avaliações, tentativa e erro, achismos… até ao dia em que, por força da idade e do sistema de ensino nacional português, foi necessário colocar um rótulo definitivo. As lágrimas foram de dor (tinha-se aberto um portal para o desconhecido e atraso mental ainda tinha uma conotação negativa no meu mapa mundo). Por outro lado, foram lágrimas de alívio.
Receber um diagnóstico é muitas vezes temido como se fosse uma sentença. Só que é o oposto disso. É, na verdade, um ato de libertação. Porque o que antes era vivido como “o problema da criança” passa a ser reconhecido como uma condição compreensível, estudada, possível de apoiar e está criado o porto seguro para a inclusão que gera equidade. Só o diagnóstico correto permite a realização de intervenções terapêuticas e apoio educacional precoce, levando a melhorias na qualidade de vida a longo prazo.
A mãe do João, diagnosticado com Perturbação do Espectro do Autismo (TEA) aos 11 anos, disse-me entre soluços: “Durante anos pensei que era má mãe. Achava que ele nem gostava de mim. Na família já ninguém queria ficar com o João quando eu precisava de trabalhar até tarde, diziam que ele era teimoso, mal-criado, enjoadinho, cheio de manias, que não tinha empatia, nem respeito por ninguém. O diagnóstico salvou-me a sanidade mental. E salvou a nossa relação. Salvou o João.”
Nomear, neste contexto, não é rotular. É dar sentido. É dar chão. É dar ferramentas.
Costumo dizer que existe a saúde mental do silêncio. Hoje já se sabe que há algo que adoece mais depressa do que o corpo; a autoestima de uma criança que sente que está sempre a falhar. Que é corrigida o dia todo. Que é julgada a toda a hora. Que nunca é suficiente. Que não consegue fazer amigos porque não entende os códigos sociais, mas também não sabe porquê.
Sem diagnóstico, a culpa instala-se. Na criança: “O que há de errado comigo?”. Nalguns pais: “Como é que não consigo educá-la?”. Nos professores: “Porque é que nada resulta com este aluno?”
O silêncio é corrosivo. E, quase sempre, o diagnóstico não só alivia a criança, como protege a saúde mental da família inteira. Porque a partir do momento em que se sabe o que é, começa a ser possível encontrar caminhos. Deixa de ser sobre falhar, e passa a ser sobre estratégias, sobre oferecer espaço seguro e acolhimento em relação às dificuldades de comportamento, sociais, cognitivas e de acessibilidade (quando existem).
Nomear é cuidar. Tive uma aluna na NLP University California, mãe, que se assumia muito espiritual e que dizia com orgulho que recusava diagnósticos porque “a filha dela não era diferente, era só especial”. Compreendi a intenção (até porque ninguém é o seu diagnóstico!). O que esta mãe não via é que, sem diagnóstico, a filha dela estava sem acesso às terapias necessárias, sem gestor na escola, sem adaptações nas avaliações escolares. Ser especial não é suficiente, até porque somos todos especiais. É preciso identificar e conhecer o quão especial se é, para desenhar a melhor estratégia e desenvolver as ferramentas adequadas. E o diagnóstico é a chave de acesso.
Mas que é que se transforma com o nome certo? O Tiago foi diagnosticado com dislexia aos 10 anos. Já lhe tinham instalado a crença que era “distraído” e “preguiçoso”. Que era desinteressado. O pai chorou quando soube o diagnóstico: “Passei anos a exigir que lesse mais, que estudasse mais. Não sabia que ele não conseguia ver as palavras da mesma forma. Não era falta de esforço, nem de vontade.”
A mudança de mapa é revolucionária. Muda a forma como se comunica, como se ensina. Muda a forma como se ama. E protege a saúde mental, o vínculo familiar, a autoestima da criança.
O diagnóstico é como uma bússola, não limita; orienta. Não rotula; liberta. E quanto mais cedo se inicia a intervenção adequada, melhor o prognóstico e menor a carga familiar e social.
Já escrevi numa crónica Essencial e repito, quanto mais avanço no meu desenvolvimento pessoal mais me convenço disto: há uma coisa mais difícil que as dificuldades que sentimos: são as dificuldades que não sentimos. Ou seja, as dificuldades das quais não temos consciência. O mais difícil não é o que nos aparece no ‘radar’: é o que escapa aos nossos radares, o que permanece nas zonas cegas da nossa perceção e consciência. Conhecimento é poder e liberta.
Uma coisa que aprendi com a neurociência, a prática profissional na neurolinguística (e até do jornalismo) e a experiência de vida, é isto: o nosso cérebro adora (precisa!) de previsibilidade. E um diagnóstico, bem feito, por uma equipa multidisciplinar, supervisionada, elaborado com escuta, presença e sensibilidade, não é uma prisão, é uma bússola. Ajuda a perceber onde estamos e qual é o melhor caminho a seguir naquele momento. Permite à criança ser ela própria, com mais leveza e mais espaço para crescer. O que ela não precisa é de se encaixar. Ela precisa (e tem direito!) a ser compreendida e aceite por quem é!
No fundo, é como escrever o nome numa folha em branco. Finalmente, aquilo que era apenas confusão, ruído ou dor ganha contorno, sentido, e um começo possível. Ganha luz. E tudo o que uma criança precisa para florescer, é que alguém, finalmente, lhe diga, que finalmente lhe mostre, com exemplos: “Tu existes, tu mereces, tu és parte, amo-te, exatamente assim, como és!”