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Análise

Muito ruído, poucas soluções

Há também mudanças que, bem conduzidas, podem ser oportunidades

Numa semana marcada por dois momentos politicamente centrais, a aprovação do Orçamento da Região (a meio do ano!) e a apresentação do Programa do Governo da República, o cidadão comum, aquele que trabalha, paga impostos e enfrenta a dureza do quotidiano, pouco ou nada retém. O ruído é muito. As longas horas de doutrina parlamentar transformam-se, tantas vezes, num exercício estéril, onde o verbo impressiona, ataca, mas raramente constrói.

Entre discursos previsíveis e apartes deslocados, o debate político corre o risco de se tornar num espectáculo sem substância, afastado das reais preocupações das pessoas. Discute-se muito, mas debate-se pouco. O mérito de algumas propostas perde-se num ambiente onde o confronto se sobrepõe ao conteúdo. Com a oposição muitas vezes enclausurada em agendas internas e o parlamento de maioria PSD/CDS a repetir fórmulas gastas, instala-se um cansaço que desmotiva a participação e mina a confiança.

Ainda assim, é importante reconhecer sinais positivos. O Governo Regional aposta, neste Orçamento, num desagravamento fiscal, uma medida bem-vinda num contexto de aperto económico. Falta, no entanto, uma explicação técnica sólida sobre a manutenção do IVA nos actuais moldes. Noutros sectores, como a saúde, promete-se atacar as listas de espera, mas sem que se percebam os mecanismos concretos para ultrapassar os bloqueios estruturais que as alimentam. Fala-se em mais habitação, mas os salários continuam longe das rendas, e o que se ergue é ainda insuficiente face às necessidades de milhares de famílias.

Há também mudanças que, bem conduzidas, podem ser oportunidades. A concessão de percursos naturais a privados, por exemplo, deve ser encarada com pragmatismo: o envolvimento da iniciativa privada pode ser vantajoso, desde que sujeito a regras rigorosas, com fiscalização efectiva e garantia de que o interesse colectivo não é secundarizado. Em áreas como a saúde, a habitação ou o turismo de natureza, não é a presença do privado que assusta, é a incapacidade do Estado, neste caso, a Região, de colocar na ordem um sector cada vez mais sobrecarregado e anárquico.

No meio da semana, houve espaço para o absurdo: a ideia de criminalizar famílias que deixem idosos nos hospitais após alta médica foi comentada pela secretária da Inclusão com leviandade, ignorando por completo a realidade social que está na origem desse fenómeno. Soluções simplistas para problemas complexos não servem. As famílias não precisam de ameaças, precisam de redes de apoio sólidas, de políticas articuladas entre Saúde e a Segurança Social. Meter tribunais onde falta compaixão é aprofundar ainda mais o fosso da exclusão.

Com o Orçamento aprovado, o que importa agora é a sua execução com responsabilidade, transparência e foco nos resultados. A oposição tem a obrigação de fiscalizar com seriedade, não apenas para marcar posição, mas para garantir que as promessas se cumprem.

Já em Lisboa, o Programa do Governo de Luís Montenegro ficou aquém das expectativas da Madeira. Sem compromissos claros, sem propostas estruturadas, persiste a ideia de que a Região continua a ser tratada como nota de rodapé. Mas não há mais tempo para adiamentos. Urge rever a Lei das Finanças Regionais, acelerar os reembolsos nas ligações aéreas e garantir uma verdadeira articulação entre Lisboa e o Funchal. Menos promessas, mais execução.

No meio deste cenário, nem tudo está perdido. A política pode e deve ser um espaço de soluções, não apenas de confrontos. É preciso resgatar a confiança com actos, não só palavras. O cansaço e a resignação que se sentem na sociedade podem ser vencidos com seriedade, visão e coragem. E é aí que reside a esperança: na exigência de um povo que, mais do que paciência, tem direito a resultados.