O Legado do Teólogo da Liberdade
O Pe. Martins Júnior, o teólogo do povo, “deixa de ser visto” já neste próximo domingo, 22 de Junho de 2025, precisamente, no dia em que completava 56 anos de permanência no seio da comunidade da Ribeira Seca. Ao longo do seu percurso de vida manteve-se sempre de pé, como as árvores, por maior que fossem as adversidades. Desde os seus verdes anos, evidenciou o seu empreendedorismo na vertente cultural, porque acreditava no poder transformador da cultura no desenvolvimento das populações subdesenvolvidas, nomeadamente a da terra onde fez igreja, assente nos problemas reais das comunidades que paroquiou: Porto Santo e Ribeira Seca. Daí que, entendia que a igreja era a chave mestra para a abertura do difícil caminho para a cidadania ativa, secundarizando ao longo do tempo do seu sacerdócio determinados muros dogmáticos, insanos à promoção e à valorização da dignidade nomeadamente dos seus paroquianos. Um trajecto com altos e baixos e quase sempre incompreendido e desvalorizado pela hierarquia da igreja madeirense e pelo silêncio mordaz da maioria dos seus pares. Contudo, nunca deixou de cruzar o seu estilo de estar na igreja com as causas culturais e sociais que defendia, como pilares fundamentais e pragmáticos da objetividade da sua vida, como homem de causas maiores. Replicou, vezes sem conta, o significado da importância do perdão e de perdoarmos naturalmente uns aos outros (Efésios 4:30-32), a única forma do perdão ser assumido com responsabilidade e maturidade. Salientava que o confessionário era o caminho mais fácil para obter o perdão, mas não o mais autêntico, nem o mais eficaz, pois a eficácia do perdão resulta de um percurso difícil, do encontro cara a cara, entre o ofensor e o ofendido. Argumentava que em nada adianta a absolvição do padre, quando a pessoa ofendida fica fora da equação.
Teologicamente, não entendia como a igreja católica catequisa, sobretudo as crianças, com Jesus pendurado num crucifixo, uma imagem de humilhação e derrota daquele que foi o maior vencedor de todos os tempos da era cristã. A única presença do Jesus da história dentro da igreja da Ribeira Seca, enquanto foi pároco, era representada pelo pão e pelo vinho sobre o altar “…fazei isto em memória de mim”. E, enquanto permaneceu como pároco desta comunidade, a água para o batismo era aquela que jorrada das entranhas da Terra, fresca e cristalina, que se torna fonte de vida para toda a criação, livre de bênção sacerdotal. No âmbito deste preceito, todos eram dignos de ir ao altar e comungar com a sua própria mão, como fizeram os amigos de Jesus na última ceia. Tudo isto, configurava a sua teologia de libertação, aquela que professou com o seu povo, com simplicidade e nitidez de palavra e de ação. Na verdade, a situação em que encontrou a Ribeira Seca, há 56 anos, vergada aos ditames do regime de colonia, à falta de escolas, de acessibilidades e de outras condições básicas fê-lo timoneiro de uma missionação inquietante, em prol de um povo, vários anos esquecido pelos poderes maiores da Região. Por conseguinte, os feitos dos mais ilustres são registados na história, mas o povo inscreve-os na memória do tempo, com uma ressalva particular: “Por ele, o mundo não andou para trás”.
Severino Olim