A nova Saúde em Portugal (II)
Há que olhar para a pirâmide, tal como Maslow descreveu, de baixo para cima, começando pela base, e não de cima para baixo, só para satisfazer egos, transversais a todos quantos querem fazer sua “a primeira das ciências” (que já vimos não o ser) só porque necessitam de “satisfazer” o primeiro dos bens de tantos quantos depositam votos de quando em vez.
1 – A base da pirâmide:
Os Centros de Saúde são a base de qualquer Serviço de Saúde: é nos Centros de Saúde que se prestam todos os serviços e eventuais procedimentos necessários para o bem estar de toda a população: são as vacinas, os controlos mais específicos como a tensão arterial ou a glicémia, é a consulta de enfermagem, aos quais se juntam todos os actos médicos e consultas de Medicina Geral e Familiar. O Centro de Saúde, deve ser, o centro de toda a actividade de um sistema ou de um serviço que queira prestar cuidados que uma população exige como base de uma saúde pública eficaz (e pública aqui não quer referir à entidade gestora que a política define como coisa pública, refere-se sim ao conjunto das normas que promovem o bem estar comum). Incluo aqui a Medicina Geral e Familiar porque esta é a especialidade médica que está à frente “da cabeça do touro”, que atende, e trata, a grande maioria dos casos que se lhes apresenta, e que referencia para o degrau de cima da pirâmide todos quantos não consiga tratar nas instalações que lhes são confiadas.
Só depois de satisfeitas as necessidades básicas de saúde é que pode o Serviço de Saúde – local, regional ou nacional – subir ao degrau seguinte da pirâmide.
2 – 1º degrau intermédio da pirâmide:
Nos cuidados de saúde intermédios mantemos a actividade dos Médicos de Medicina Geral e Familiar, que continuam a ser a base para que haja uma evolução eficaz do serviço que se pretende prestar às populações que solicitam cuidados de saúde que, para os utentes (doentes ou não, há que saber diferenciar), são sempre inadiáveis!
Este é um patamar de grande importância porque para além das consultas de Medicina Geral e Familiar, inclui uma grande variedade de outras valências que podem complementar, em âmbito de Centro de Saúde, a actividade médica de base, como por exemplo as consultas de Psicologia, de Nutrição, ou outras que sendo mais específicas, podem ser desenvolvidas num Centro de Saúde.
Neste patamar incluímos os hospitais com capacidade de internamento rápido para patologias que não requeiram tecnologias nem terapêuticas diferenciadas e que podem aliviar as camas disponíveis em hospitais com maior diferenciação técnica.
É neste degrau da pirâmide que tem de começar um novo paradigma da relação entre pares, leia-se entre referenciações.
Explicando melhor: quando um médico num Centro de Saúde sente a necessidade de uma opinião mais diferenciada para a patologia apresentada por um seu paciente, deve referenciar para o médico (ou outro profissional, como psicólogo, nutricionista, etc.) de sua escolha, e não, como é feito actualmente, para a consulta X ou Y, sem saber com quem deverá falar para ter notícias do seu paciente ou para trocar impressões, eventualmente sem receber de volta a informação especializada que pretende, porque o paciente passa a ser “propriedade” do hospital para onde foi referenciado. Voltaremos ao assunto mais à frente.
3 – 2º degrau intermédio da pirâmide:
Chegamos aos hospitais que, sendo uma parte importante do sistema, não são certamente o mais importante. Nesta pirâmide não podem haver patamares “mais importantes”, porque sem os degraus inferiores que sustentam o edifício não podem haver os degraus superiores, da mesma forma que os degraus inferiores ficam amputados na sua acção se não tiverem a cobertura, o telhado dos patamares superiores.
É nos hospitais que se encontram os cuidados diferenciados, os que necessitam de uma tecnologia e conhecimentos que não têm cabimento em estruturas como os Centros de Saúde, porque uns e outros têm vocações diferentes. Diferentes mas complementares – uns não existem sem os outros num sistema que se quer funcionante.
E é nestes patamares, que identificámos como:
Cuidados de Saúde Primários
Cuidados de Saúde Intermédios
Cuidados de Saúde Diferenciados que se deve basear um Serviço de Saúde, e é através das suas componentes que se devem organizar as Unidades Locais de Saúde, que não são mais do que um hospital com capacidade de diferenciação rodeado por uma rede de centros de saúde, interligados através das suas diversas valências que se valem umas às outras, sem competirem umas com as outras. E devem haver tantas Unidades Locais de Saúde quanto as necessárias sejam para provir as populações que servem, tendo em atenção o meio em que se inserem, seja urbano ou rural, já que as necessidades de cada comunidade podem ser diferentes umas das outras, diferentes na composição, mas semelhantes no espírito e na vocação de serviço, público, neste caso.
4 – vértice da pirâmide:
É no vértice desta pirâmide que constitui o Serviço Nacional de Saúde que devem estar os hospitais que prestam o que chamámos de Cuidados Referenciados de Saúde.
Estes Hospitais, pela sua dimensão, vocação e especialização, fazendo parte do Serviço Nacional de Saúde, não devem integrar a rede de Unidades Locais de Saúde, mas sim ficarem como hospitais para onde se podem referenciar os doentes que pelas suas patologias ou pelas exigências técnicas dos procedimentos necessários para a evolução dos seus estados de saúde, sempre do mesmo paradigma de referenciação de médico para médico.
Estes hospitais, e sem qualquer ordem hierárquica, que não deve existir num Serviço que se quer Nacional, seriam:
Hospital de Santa Maria,
Hospital de S. José
Hospital de S. João
Hospital de Santo António,
Hospitais da Universidade de Coimbra,
IPO’s de Lisboa, Coimbra e Porto
Hospital de Santa Cruz,
e/ou outros que pela sua diferenciação específica não se enquadrem dentro da filosofia de Unidade Local de Saúde.
Com este sistema de pirâmide, subindo de patamar organizativo sempre e quando o patamar inferior estiver solucionado, será dada uma maior relevância aos Utentes/Doentes, com uma melhor capacidade de se organizarem serviços que possam responder às solicitações que por vezes, muitas vezes, entopem urgências hospitalares quando poderiam ter sido atendidas e tratadas em âmbito de Centro de Saúde.
O SNS nasceu como uma manta de retalhos dos hospitais e centros de saúde existentes no País, todos na esfera dos serviços públicos. Foi necessário ser assim, porque de outra forma o Dr. Arnaut não teria conseguido lançar as bases da confusão em que se tornou o SNS.
Algures a meio do ano de 2024 apareceu um Plano! Era uma coisa que iria fazer com que o SNS entrasse nos eixos, que encarreirasse na forma e desse alegrias imensas aos seus autores!
Afinal o plano serviu para despedir uns quantos Conselhos de Administração e pouco mais - serviu para se concluir que o Sr. Dr. Coronel era igual ao comum dos mortais: embolsou uns dinheiros que não podia ter embolsado, e acabou como acabaram os Conselhos de Administração que tinha despedido, isto é, despedido!
Agora os factos: não há um Serviço Nacional de Saúde!
Há um conjunto de Hospitais, centrais, distritais e locais, formando uma rede hospitalocrática centralizadora e uma enorme rede de Centros de Saúde secundarizados ao “poder” dos primeiros.
Quero com isto dizer que enquanto não formos ao fundo da questão, vamos sempre ter problemas crónicos agudizados em épocas ou de férias generalizadas ou de maior afluência aos hospitais por via das doenças sazonais.
Vejamos: o SNS é uma coisa que não existe na realidade como Serviço estruturado, o SNS foi criado porque era indispensável dar uma resposta política à forma como os cuidados de saúde eram prestados antes do 25 de Abril de 1974, seguindo exemplos do que se fazia nos países do norte da Europa. Não houve na sua génese uma definição filosófica geral orientadora do que deveria ser um Serviço de Saúde de âmbito nacional. Isto é, em vez de se construir uma autoestrada de raiz, foram sendo tapados os buracos de várias estradas secundárias, daqueles que esburacam novamente quando cai uma chuva forte, e continua assim até hoje, mesmo com planos de exequibilidade difícil (o que nasce torto tarde ou nunca se endireita!)
Agregaram-se vontades políticas, juntaram-se hospitais e médicos e nasceu um Serviço que se foi adaptando à necessidade do tempo.
Não há um Serviço Nacional de Saúde!
Não é possível resolver os problemas superficialmente sem ir ao fundo.
E ir ao fundo significa refundar todo um Serviço Nacional que começou, e bem, dentro do que era possível na época da sua criação por ser uma manta de retalhos sem um espírito comum, conferindo-lhe precisamente essa linha comum a todos quantos querem ter orgulho de pertencer a uma equipa ganhadora.
(continua)