Para lá do despesismo
O SESARAM precisa de uma gestão presente, coerente e capaz de definir prioridades
Miguel Albuquerque quer pôr termo ao despesismo na Saúde, apontando para o desperdício de medicamentos, na ordem das toneladas. A denúncia causa impacto, mas continua por esclarecer a sua verdadeira dimensão e, sobretudo, que medidas concretas pretende adoptar para evitar novas perdas. A afirmação surge numa fase sensível: a transição para um novo Conselho de Administração do SESARAM, num momento em que o sector carece de gestão profissional e de direcção clara.
O balanço do último ano mostra que a realidade do Serviço Regional de Saúde não se resume a slogans. Há sinais positivos, como a diminuição de 5,7% da lista de espera cirúrgica em 2024, fruto do aumento da produção operatória. Contudo, 17.129 utentes aguardavam ainda por uma intervenção até final de Dezembro, número que revela que, apesar do esforço, persistem desafios importantes. Outra vertente não menos determinante mostra que, no mesmo período, em pelo menos duas especialidades a produção adicional superou a de base. Isto é, foram feitas mais cirurgias fora das horas normais de trabalho e pagas ‘extraordinariamente’, do que as que são antecipadamente programadas. Paradigmático!
Já nas consultas, o aumento de 6,8% na lista de espera indica que o acesso à primeira observação médica continua a ser um dos pontos mais frágeis do sistema.
A estes dados somam-se críticas que, nos últimos meses, foram surgindo de forma dispersa, mas significativa: processos negociais adiados, dossiers por concluir e decisões que tardam a ser tomadas. Não se trata de aprofundar reivindicações ou alimentar confrontos laborais, mas de reconhecer que existe a percepção de que alguns assuntos relevantes ficaram por resolver. A preparação do novo hospital, por exemplo, exigiria maior continuidade e celeridade, sobretudo no que toca ao planeamento de recursos humanos e formação.
O SESARAM tem profissionais altamente qualificados, mas não pode continuar prisioneiro de vícios corporativos, de improvisos ou de ciclos políticos que mudam discursos sem alterar mecanismos. Esta é, talvez, a crítica mais estrutural: há competência técnica, mas faltam condições organizativas e independência directiva para que essa competência produza todo o seu potencial.
Estes sinais de lentidão não anulam os avanços registados. Mas revelam que o SESARAM precisa de uma gestão presente, coerente e capaz de definir prioridades sem hesitações. O próximo Conselho de Administração encontrará processos em curso, melhorias iniciadas e problemas antigos que exigem respostas definitivas, desde a organização interna à contratação de profissionais em áreas carenciadas.
É, por isso, essencial que a discussão pública sobre o “despesismo” não se reduza a slogans. Se há falhas na gestão de medicamentos, devem ser explicadas e corrigidas (ainda sexta-feira havia falhas na farmácia hospitalar, que fizeram interromper tratamentos a diversos utentes); se há desperdícios, a Região deve saber onde e porquê. O rigor na despesa não pode ser um acto de retórica, é um exercício de planeamento, transparência e eficiência.
A Madeira não vive um cenário de colapso como no continente, mas também não está isenta de dificuldades. Há melhorias que merecem reconhecimento e há atrasos que devem ser enfrentados com determinação. O fundamental agora é que o novo Conselho de Administração assuma o compromisso de reforçar aquilo que funciona, corrigir o que falhou e recuperar a confiança num sector que é, pela sua natureza, vital.
A Saúde não se transforma com proclamações, mas com gestão metódica e decisões firmes, longe de interferências permanentes da tutela que, ao querer controlar tudo, nada controla.