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Averiguações preventivas: a politização de uma “aberração” jurídica

Muito se tem falado nos últimos meses de averiguações preventivas, tanto ao Primeiro-Ministro, como ao anterior líder da oposição, que fazem de titulares de cargos públicos objecto de suspeitas e notícias constantes sem lhes dar quaisquer garantias de defesa. Mas qual é afinal o cabimento jurídico destas tais “averiguações preventivas”?

A investigação criminal, com recolha de prova, deve fazer-se dentro das regras do processo penal, ou seja, com a abertura formal de um Inquérito-Crime. Havendo uma denúncia ou a simples notícia de um crime, com os mínimos indícios, o Ministério Público é obrigado por lei a determinar a abertura de Inquérito-Crime para apurar a existência ou não desse ilícito penal e os seus agentes. O próprio Ministério Público, e sobretudo o próprio Ministério Público, tem de estar sujeito às normas constitucionais e do processo penal. É essencial para a Democracia.

A investigação criminal “fora” das regras do processo penal

Fazer (ou querer fazer) uma investigação criminal fora das regras do processo penal não é uma via correcta e muito menos uma via admissível para fazer recolha de prova em sede criminal. Aliás, a recolha de prova criminal fora das regras do processo penal não é típica de um Estado de Direito Democrático. São, pelo contrário, os Estados Totalitários que recorrem a outras vias, fora das regras estabelecidas, para recolher prova, sem oferecer quaisquer garantias de defesa aos cidadãos.

E o pior? O pior é que tudo isto está a ser feito neste momento, em Portugal, com o país inteiro a assistir, e a ser muito útil a uma agenda populista cujo objectivo é destruir a credibilidade e bom funcionamento das instituições democráticas da República. No meu entender, o processo penal preliminar, do ponto de vista jurídico, não faz qualquer sentido. E todas estas “averiguações preventivas” não estão em conformidade com a Constituição.

O Inquérito-Crime como meio de actução correcta dos investigadores e protecção dos investigados contra eventuais abusos

O que o Ministério Público devia fazer, com qualquer caso, perante a existência de indícios da prática criminal, era vincular-se ao princípio da legalidade e abrir um Inquérito-Crime, em cumprimento do Código de Processo Penal, e vincular esse mesmo processo ao segredo de justiça. Aí, sim, tinha todas as condições e meios formais para recolher a prova que entendesse necessária à investigação.

O País dispensava este espetáculo mediático. Dispensava este circo. O Ministério Público com um Inquérito não precisava de andar a “pedinchar” documentos ao Primeiro-Ministro, gerando notícias do seu pedido, gerando notícias dos dias que o Primeiro-Ministro os demora a entregar, seja ele quem for. Isto não é um problema do PSD ou do PS. É um problema da Justiça que afecta a nossa Democracia.

A Justiça e os cidadãos mereciam outra dignidade e tutela. Reitero: bastava a abertura de Inquérito-Crime para Ministério Público, com toda legitimidade, e sob cumprimento do segredo e justiça, ir até onde a lei permitisse para recolher, sem espetáculos mediáticos, toda a documentação que entendesse necessária.

Estas sucessivas notícias tem um impacto brutal na credibilidade da Justiça e do bom funcionamento das nossas instituições democráticas. Estão a favorecer neste momento toda uma agenda política populista que quer derrubar a actual ordem política em Portugal. Urge, portanto, um pacto de regime para se fazer a tão desejada e necessária Reforma da justiça em Portugal.

Por mais autonomia e responsabilidade do Ministério Público

Para que fique claro é essencial que o Ministério Público desempenhe as suas funções com total autonomia. Defendo, nesse sentido, o reforço, por parte do Ministério da Justiça, de mais meios humanos e materiais ao Ministério Público, e aos órgãos de polícia criminal, nomeadamente a Polícia Judiciária, para um exercício competente, funcional e totalmente independente das suas funções, sem interferências ou pressões do poder político.

O funcionamento e autonomia do Ministério Público é essencial para o bom funcionamento da nossa Democracia e garantias dos nossos direitos, liberdades e garantias enquanto cidadãos. Nesse sentido, termino deixando uma mensagem de elogio pelo trabalho de excecional qualidade de todos os magistrados de norte a sul do país, muitas vezes sobrecarregados, a trabalhar fora de horas e durante o fim de semana, sem as devidas condições.

O meu reconhecimento a todos os Procuradores e Oficias de Justiça

O Ministério Público não se resume à Procuradoria-Geral da República ou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal. O Ministério Público é um corpo muito mais vasto que abrange todos os Procuradores. Os da Ponta do Sol, de Santa Cruz, do Porto Santo, do Funchal, de todo o país. São sobretudo esses, fora dos holofotes, que no seu dia a dia, procuram fazer o sistema de Justiça funcionar, muitas vezes em prejuízo da sua vida pessoal, auxiliados, claro, pelos incansáveis Oficiais de Justiça, os parentes pobres da nossa Justiça. O meu reconhecimento a todos eles pelo trabalho sério de credibilização do nosso sistema penal.