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Como vai a UE lidar com Donald Trump?

A eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos da América e algumas das suas polémicas declarações e decisões têm estado na ordem do dia. Apesar disso, apenas os mais distraídos poderão estar surpresos com os mais recentes acontecimentos. Desde logo, porque nunca houve dúvidas daquilo que iria suceder e o próprio nunca o escondeu as ideias que o norteavam.

Há quem seja da opinião de que não devemos levar Trump muito a sério, quer pela incoerência de algumas das suas posições, quer pelo facto de se auto-intitular um homem de negócios, e poder, desta forma, estar apenas a lançar bases para negociações futuras. No entanto, devemos sim, olhar de forma atenta para a sua atuação, levar a sério o que diz, quanto mais não seja por se tratar do presidente dos EUA.

Acima de tudo, importa agora perceber que implicações terão as suas políticas, para a Europa e para o Mundo, e qual deverá ser o posicionamento da União Europeia neste novo contexto geopolítico e económico.

Uma coisa é certa, tudo isto demonstra de forma cada vez mais evidente a necessidade de reforçar a autonomia estratégica da UE, a todos os níveis. A UE não pode estar dependente dos EUA, seja a nível económico seja a nível da defesa, e mesmo que tenhamos naturalmente de respeitar o facto de Trump ter sido eleito democraticamente, os europeus não podem estar dependentes da intenção de voto do povo norte-americano. É preciso não esquecer que tivemos eleições europeias em 2024 e que os cidadãos da UE esperam respostas à altura das enormes responsabilidades que estes novos tempos nos trazem.

Em termos económicos, temos que nos preparar para um mundo mais volátil. As taxas aduaneiras que Trump ameaçou aplicar a vários países correm o risco de criar guerras comerciais, o que aumentará o custo de produtos em todo o mundo e poderá por em causa cadeias de produção. Temos que reforçar as nossas indústrias e garantir cadeias de produção robustas que estejam o menos dependentes possíveis de países terceiros.

Existem diversas estimativas dos efeitos negativos das tarifas, inclusive para os EUA, mas seguramente nada ficará como antes. Quando a UE se depara com grandes preocupações a nível da sua indústria automóvel, por exemplo, a imposição de tarifas à China por parte dos EUA poderá levar a maior pressão nos mercados europeus dado que as empresas chinesas terão de compensar a quebra de vendas dirigindo-se ao mercado europeu.

Mas tudo está interligado e quando assistimos Trump a afirmar que o Tiktok poderá valer zero se não tiver licença para operar nos EUA, o mesmo se pode aplicar à rede X do seu fiel companheiro Elon Musk, caso a UE aplique a mesma fórmula.

A nível da segurança e defesa, reforçar a nossa autonomia estratégica significa que a UE tem que conseguir atuar no mundo e defender as suas fronteiras sem estar dependente dos Estados Unidos. Trump já ameaçou várias vezes sair da NATO e, recentemente, até utilizar força contra um Membro da NATO (a Dinamarca). Temos que garantir investimento dos países da UE na defesa. Isto é fundamental, mas, ao contrário do que disse o Secretário Geral da NATO, não pode ser feito cortando no Estado Social, abdicando do investimento na saúde ou na educação. Temos sim que desenvolver a nossa indústria militar e de defesa. Trump quer que a União Europeia aumente os gastos na defesa para comprar mais armamento e material a empresas americanas. Se gastarmos mais dinheiro na defesa, este deve ser gasto na Europa, beneficiando empresas europeias e criando emprego nos nossos Estados Membros. Alemanha, França, Itália, Espanha, Suécia, Polónia, Finlândia e Países Baixos são alguns dos Estados-membro da UE que possuem indústria militar, que vai desde tanques, caças, submarinos, mísseis até a artilharia, armamento e sistemas de radares, mas mesmo Portugal, com a indústria têxtil e calçado, pode ser um ator importante na indústria de defesa.

A nível social há uma outra preocupação que temos, que tem a ver com a intenção de Trump expulsar milhões de imigrantes ilegais. Estima-se que vivam nos Estados Unidos mais de um milhão e meio de portugueses. Os imigrantes portugueses que não tenham a sua situação completamente regularizada correm o risco de ser expulsos do país, algo que já levou, por exemplo, o Governo dos Açores a criar um plano de contingência para lidar com a possíveis deportações de açorianos. A UE e Portugal, de uma forma muito particular, sabem receber e acolher, sobretudo quando sabemos que existe imensa necessidade de mão-de-obra para inúmeros setores da nossa economia. A UE tem de estar preparada também para integrar aqueles que eventualmente sejam obrigados a regressar, promovendo também o diálogo sério sobre migrações, não se deixando enredar por discursos populistas e demagogos que apenas querem gerar discórdia, desacreditar as instituições e incutir o medo nas pessoas, que são, como temos visto frequentemente, desmentidos por especialistas e pelas estatísticas oficiais.

Ação gera reação, mas a UE tem de ser firme na defesa dos seus princípios e valores, fazendo valer os seus ideais, agindo ao invés de apenas reagir. Pessoalmente, acredito que a União Europeia saberá estar à altura dos desafios, e juntos, unidos na diversidade, iremos superá-los.