Análise

O futuro é hoje

Há mais vida para além das contas certas, das estatísticas e do défice rigoroso

O Presidente da República escolheu 24 de Setembro para o dia das eleições legislativas regionais. A época oficial de campanha arranca 14 dias antes, mas a propaganda desenfreada já está na rua há algum tempo.

É um clássico. Antes do povo ir a votos o governo faz questão de mostrar ‘a obra’ e a oposição intensifica o ataque e o desespero na conquista de eleitores. Neste jogo democrático desigual – por norma a oposição não ganha eleições, o poder é que as perde – costumamos assistir a tudo e mais alguma coisa. A maioria, perfeitamente dispensável. Com 50 anos de Liberdade e 47 de Autonomia o foco e a narrativa dos agentes políticos têm de se alicerçar noutras bases, mais pragmáticas e menos folclóricas e demagógicas. Para o eleitor cumpridor, esmagado por uma máquina fiscal trituradora e embrenhado no pagamento de um crédito à habitação que não pára de aumentar, as campanhas tradicionais geram um propósito: não votar. Para o cidadão empenhado há ruído e espuma a mais e propostas sérias e exequíveis a menos. Para ele, que se esfola a trabalhar para muitas vezes nem conseguir fazer umas férias dignas de nome, importa que os sectores fundamentais da sociedade funcionem e funcionem bem, porque o que é público e gerido com o dinheiro de todos nós, tem de ser o melhor. Por exemplo, que as escolas cumpram o seu papel com um ensino de qualidade e universal; que a saúde seja rápida, diligente e preste cuidados de excelência; que a preocupação com o ambiente e as alterações climáticas seja uma constante e uma realidade diária; que o mercado de trabalho funcione, onde todos tenham as mesmas oportunidades e não apenas aqueles que têm acesso aos corredores do poder; que a política de longevidade se concretize a bem de uma velhice digna e não condenada a lares impessoais e degradados, autênticas antecâmaras da morte; que as famílias se sintam apoiadas e incentivadas, de forma séria e efectiva, a terem mais filhos, contribuindo para a mitigação do Inverno demográfico em que tragicamente vivemos; que existam incentivos efectivos para fixar gente nas localidades mais despovoadas; que se desobrigue as empresas que criam valor e postos de trabalho de um rol interminável de impostos e burocracias. Podia falar da mobilidade, dos transportes públicos e de um sem número de áreas que carecem de uma intervenção pública a sério e que deveria nortear o debate para as Regionais deste ano.

Há mais vida para além das contas certas, das estatísticas e do défice rigoroso. Há dificuldades sentidas que colocam famílias da classe média à beira do desespero, no limiar a pobreza envergonhada, porque o ordenado que antes chegava, no limite, para cobrir as despesas mensais deixou de cumprir com essa função. O elevado custo de vida tem provocado demasiados estragos. De que servem os cofres cheios se há miséria entre a população?

Não há rentrées nem festas que devolvam a confiança e a esperança num futuro melhor se os partidos não apresentarem um caderno de encargos realista que responda às necessidades dos eleitores. Dispensa-se o pezinho de dança, a caneta do partido e a poluição sonora e paisagística que se insiste em manter, em contexto festivo-trágico. Exige-se sobriedade, pés no chão e assertividade. Antes dos partidos há as convicções. Para além dos políticos há uma vida com sonhos e expectativas que se esboroam face a uma conjugação de factores que originou a ‘tempestade perfeita’. O futuro é já hoje. Que os candidatos honrem esse desígnio.