Crónicas

O bom, o mau e o cupido

Era uma vez uma operação militar especial que virou guerra, pelo meio tentou ser desculpa para um golpe de estado na Rússia e acabou transformada em comédia de mau gosto. De acordo com o Kremlin, desde o início da invasão, a Rússia terá abatido mais de 400 aviões ucranianos. O problema é que, também segundo o Kremlin, antes do início do conflito a Ucrânia teria menos de 150 aviões operacionais, ou seja, três vezes menos do que os aviões supostamente destruídos. Na ânsia de passar a perna aos cidadãos russos, a propaganda de Putin foi capaz do milagre da multiplicação aeronáutica. E, entretanto, conseguiu pôr o resto do mundo a rir.

O bom: Turismo da Madeira

A estratégia de comunicação do Turismo da Madeira venceu os Prémios Marketeer 2023, na categoria Turismo – Destino. O reconhecimento da nova imagem do destino Madeira tem valor acrescido, não só pela concorrência que enfrentou mas, principalmente, por se tratar da escolha dos leitores de uma publicação especializada na matéria. Para os responsáveis pela nossa promoção turística, o prémio e os indicadores turísticos de 2022 dão-lhes o conforto de terem tido razão antes do tempo. No entanto, não deixa de ser curioso que a horda de especialistas em marketing e comunicação que, à custa de uma imagem, proferiu sentenças de morte ao turismo na Madeira, hoje se remeta a um silêncio que é mais sobranceiro do que piedoso. Dirão que é assim o novo espaço público de discussão, uma torrente desenfreada que vive na vertigem da próxima polémica a julgar. Concordo, mas acrescentaria que só participa nesse pântano quem quer. O logótipo que transformou partidos políticos em agências de marketing e deputados em júris de concurso, nunca esteve, nem podia estar, acima da crítica. Todavia, aos peritos em comunicação que rasgaram as vestes à conta de um tipo de letra, mais do que o prémio, deveria incomodar os valores históricos, em proveitos e em dormidas, que o turismo da Madeira atingiu em 2022 e que promete superar em 2023. É óbvio que esse sucesso não se fez por conta de um logótipo. Ainda assim, pela consternação generalizada que causou, até poderíamos pensar que sim.

O mau: Relatório Preliminar TAP

O relatório preliminar não é um relatório, nem é preliminar. Não é um relatório porque omite, sem grande pudor, muito do que o País assistiu em horário nobre. Não é preliminar, porque sempre soubemos, até antes das audições parlamentares, a que conclusões é que o documento chegaria. É preciso, pois, chamar os bois pelos nomes. Este relatório prévio é um ensaio geral para a peça principal, um teste para aferir até onde é que o PS e o Governo podem esticar corda na reinvenção do que foi a gestão pública da TAP. Até certo ponto, esse ensaio é aceitável. O relatório de uma comissão de inquérito é, essencialmente, um documento político com consequências, principalmente, políticas. Por isso é que as conclusões das comissões de inquérito, salvo raríssimas exceções, separam os partidos da maioria dos partidos da oposição. Mas se a discórdia partidária é expectável na interpretação política dos factos, não pode existir na sua simples constatação. Os factos são os factos. Não se pode omitir o episódio recambolesco que envolveu o adjunto de um ministro, num gabinete ministerial. Não se pode esconder a atuação dos serviços de informação na recuperação de um portátil. Não se pode ocultar uma reunião entre deputados e gestores públicos para o acerto de perguntas e respostas. Não se pode ignorar que um secretário de estado tentou influenciar a gestão diária da TAP. Por mais que o PS queira, não se pode fazer de conta que não existiu comissão de inquérito.

O cupido: António Costa

Sérgio Gonçalves já tentou de tudo um pouco. Uns Estados Gerais com antigos governantes socialistas, o anúncio antecipado de candidatura e a promessa de um programa eleitoral feito pela sociedade civil. O presidente do PS até já prometeu mudar a Madeira, mas não há cartaz ou evento que seja suficientemente grande para esconder o óbvio. Nem Sérgio Gonçalves entusiasma o PS, nem o PS arrebata nas sondagens. Perante a lenta marcha fúnebre em que se tornou a pré-campanha eleitoral dos socialistas na Madeira, Sérgio antecipou o trunfo que tinha guardado para o final do jogo - António Costa. Então, por conta das jornadas parlamentares dos socialistas de lá, tentou-se reanimar a campanha dos socialistas de cá. Perante a sala cheia, e com a mesa posta, Costa, transformado em cupido de ocasião, apontou a seta ao coração dos madeirenses e falhou. Nem o animal político, obreiro de geringonças e reviravoltas políticas afins, conseguiu fugir ao óbvio – “a Madeira nem sempre gosta do PS”. É um amor que não arde, nem se vê. Se dúvidas havia, foi o próprio Sérgio Gonçalves que explicou as razões para o desencontro amoroso. Com o beneplácito de discursar após o primeiro-ministro, Sérgio atribuiu o crescimento da Madeira, exclusivamente, ao Governo da República. Nem Costa se atreveu a tamanha ficção. O atrevimento, apesar de ridículo, foi importante porque mostrou como os socialistas locais estão sempre disponíveis para afagar o ego aos arrogantes regedores lisboetas. Quem assim se verga, não pode esperar ser amado.