Crónicas

Se a Barbie aderir, juro que me visto de rosa!

Vivemos tempos em que, se calhar, em vez de ‘dar tudo’ ou ser Barbie, será mais sensato investigar, com honestidade e apostar em poupar as relações à carga que não lhes pertence

Não sou, nunca fui fã da Barbie. Nem do Ken. Nem da Barbielândia. Ainda assim, tudo em si contém o seu oposto. Este fenómeno pode ser um pontapé de saída para uma reflexão séria e responsável numa mudança de paradigma. Há dias, escutava o antropólogo Michel Alcoforado dizer que o filme da Barbie é mais um exemplo da relação das pessoas com as tendências atuais. No mundo das redes sociais, quem quer mostrar que está por dentro dos últimos acontecimentos adere às modas sem pensar. Michel lembra que o movimento assenta em: “Eu também lá estou.” É o que é. Posto isto, quero anexar aqui outras tendências, também elas temas atuais e que quando não conscientes são perigosas. A quantidade crescente de famílias, em Portugal, com filhos em ‘homeschooling ’, ao abrigo da lei nacional, com o auxilio de organizações tidas como idóneas, também portuguesas, que ensinam aos pais como podem matricular os mais novos em colégios, on-line, nos Estados Unidos, fazendo crer ao Estado português que são alunos a residir fora do País, com um currículo internacional e, portanto, longe das regras curriculares portuguesas... a quantidade de famílias que escolhem fazer os partos em casa, sem recurso a assistência médica e acabam a ser socorridas e salvas, em hospitais públicos, isto para não falar de praticantes de crenças religiosas que recusam assistência médica em muitas situações, nem tão pouco permitem a transfusão de sangue… e então, a cada vez maior quantidade (sobretudo) de mães ‘influencers’ que se autoproclamam especialistas em educação e parentalidade (não sendo, as próprias mulheres, oriundas de culturas com práticas ancestrais que ofereçam estas experiências ou sem terem sequer frequentado, uma única certificação válida, na área) e expõe a rotina íntima, emocional, diária dos filhos, sem autorização dos mesmos, numa tentativa de satisfazer as necessidades gritantes da própria auto-estima frágil, de ganhar ‘likes’, visualizações, partilhas e assim ver aumentado os rendimentos mensais?! Podia ainda, mencionar as mães que partilham publicamente, técnicas de tortura e geradoras de trauma, com impiedosa leviandade e sadismo… Penso ser suficientemente ilustrativo da nossa sociedade. Um mundo estranho, este, no qual vivemos. Também Portugal, no século XXI.

Curiosamente, à cabeça da maior parte dos comportamentos descritos anteriormente, estão mulheres. Mães. Barbies em potencial. Por isso, deixo de fora desta equação os homens e os Kens. Qualquer justificação é dispensável. Quero mesmo focar-me no papel das mulheres e mães enquanto influenciadoras.

Tenham paciência! As mães têm, no meu mapa do mundo, uma responsabilidade acrescida e absolutamente transformadora. Somos geradoras de vida. Carregamos no ventre o sangue do nosso sangue, mesmo conscientes (ou pelo menos assim se pressupõe) que os nossos filhos, na verdade, não são nossa propriedade, nem ‘mini me’. Nós, mães, por sermos mulheres, carregamos uma energia única, um código genético ímpar de acolhimento e cuidado. É biológico. E é por isso, que nem vale a pena apontar o dedo a perguntar onde estão alguns pais, homens, em situações que correm menos bem. Se não estão lá é porque foram ensinados, com o exemplo das mães, que resolvemos tudo, sem ajuda ou cooperação. Não, não temos que carregar o mundo às costas. E sim, devemos ser porto de abrigo seguro para os nossos. O Dino D’ Santiago gritava, e bem, no Summer Opening, que ganhávamos todos se o mundo fosse matriarcal. Certo. Por isso, é bom que se investigue, de uma vez por todas, o que motiva as mulheres e as mães. Isso e a aparente generosidade ou ‘grandiosidade’ dos nossos atos de “dar tudo pelos filhos, dar tudo pela família”. Sim, porque, parece-me muito claro, que é precisamente aqui que começam os graves problemas da nossa sociedade.

O que, à partida, parece próprio de quem entrega o melhor de si, de quem ama incondicionalmente, resulta, quase sempre, em desequilíbrios, dependências, instabilidades e coloca em causa a pessoa e a relação que se pretende nutrir. Porquê? Porque, este ‘dar tudo’, vem muitas vezes de partes feridas, fragmentadas, traumatizadas, da fuga à dor, ao medo, à insegurança, vem de uma autoestima débil, de um sentimento de insuficiência, de não merecimento, de carência afetiva. Vem, seguramente, de um lugar de não amor.

Em vez de querermos ser Barbies (tradicionais), podemos investigar, honestamente e escolher despojar-nos de defesas, máscaras ou ‘maquilhagens’. Sem exigências sobre como deveria a realidade ser e desde um lugar maduro em nós, capaz de abraçar e acolher as consequências do que venhamos a descobrir. É assim que nos libertamos dos apegos e crenças que carregamos connosco e que nos impedem de abrir asas e levantar voo. E é assim que libertamos os filhos, a nós e às relações do peso a mais. Se a Barbie aderir, juro que me visto de rosa!