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A Terceira Roma

Na história da sociedade ocidental europeia é bem provável que nunca tenha surgido uma cultura tão influente como a cultura greco-latina. Como cultura fundadora do ideal civilizacional no continente europeu, muito daquilo que somos consegue sempre encontrar uma raiz no Império Romano e/ou no Bizantino (ambos latinos mas também gregos). O seu legado vai muito além dos diversos avanços tecnológicos que foram basilares no desenvolvimento da sociedade ocidental pois a verdadeira e mais profunda herança greco-latina foram a língua e os costumes transmitidos aos seus descendentes “diretos” bem como a forma de pensar, herdada de forma alargada no espaço e no tempo.

Terá sido, por isso, o impulso colonizador e expansionista, que se sentiu na Europa no início do século XV, também uma herança dos antigos impérios? Trata-se, na verdade, de uma questão que dividirá, certamente, académicos e até filósofos. Independentemente da resposta, o imperialismo tornou-se inaceitável na modernidade e vemos isso na quantidade de iniciativas cívicas e políticas que pretendem informar, destacar e condenar o legado imperial/colonial europeu. Contudo, enquanto uns abandonaram as suas campanhas imperiais mas continuam a ser criticados e até alvos de injúria, outros continuam-nas e ainda são defendidos por ditos “anti-imperialistas”.

Mas porquê iniciar este artigo com alusões a impérios tão antigos como o Romano e o Bizantino? Porque como se costuma dizer, “não há duas sem três” e durante os séculos XV/XVI já havia quem se intitulasse de “Terceira Roma” – a Rússia, na altura na forma de Grão-Ducado de Moscovo. A questão não está no ideal imperialista de uma nação em plena Era Colonial (vários terão sido os pretendentes ao título romano), está sim no facto da Rússia nunca ter aceitado a desintegração do seu império e, por isso, ter continuado as suas pretensões até à atualidade.

O ideal de Moscovo (na altura como agora, capital de poder) como terceira Roma foi uma ideia fundada no credo da Igreja Ortodoxa Cristã e determinou a forma como as elites governativas russas passariam a agir no contexto político: de forma imperial e dominante. Assim em 1547, o Grão-Ducado de Moscovo converte-se em Czarado da Rússia e Ivan IV coroa-se Czar (alusão ao título imperial Cesar) dando início à campanha de conquistas territoriais que acabariam por levar à formação da Rússia Imperial dos Romanos que, no seu apogeu, agregava um território de quase 30 milhões de km² (o Czarado surgira com pouco menos de três milhões de km²).

Com o fim do reinado de Nicolau II, e fim do Império Russo, não morreram as tendências imperais, transformam-se sim em algo mais perverso com a criação da União Soviética (URSS) e ascensão ao poder de Estaline. Apelidado de Czar Vermelho, foi alguém que tudo fez para, por um lado, controlar através do terror aquele que já era entendido como território russo e, por outro, expandi-lo, coisa que fez de forma direta e indireta tanto militarmente como com a criação de Estados fantoche na Europa e no mundo, respetivamente.

Chegados ao século XXI, a Terceira Roma sofreu um duro golpe, mas não tombou. Com a dissolução da URSS, provocada pela introdução de políticas (mais) democráticas no sistema inflexível soviético por Gorbachev, vários foram os Estados satélite que alcançaram a independência. Formou-se, ou melhor, surge assim a Federação Russa que ainda hoje, encabeçada por Putin, demonstra verdadeira dificuldade em abandonar velhos costumes não fosse ela responsável pela anexação de territórios à Geórgia em 2008, pela conquista da Chechénia em 2009 e, desde 2014, pela guerra com a Ucrânia com vista a expansão territorial.

Assim, por mais mudanças políticas que a Rússia, nas suas diferentes aceções, tenha sofrido, a verdade é que a ideologia de Terceira Roma nunca foi abandonada. A Rússia e as suas elites governativas são portadoras de um dos mais antigos imperialismos ainda vivos e, como vemos, é um problema à escala global que, infelizmente, ainda é protegido por alguns que pretendem representar o país e a sua inclinação política como anti-imperialista.