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O eterno retorno

Este é o tempo da “pedagogia das mentiras” (Chomsky, 2010, p. 203) porque há uma doutrina que nos protege de pensar. Sem tempo para a fraqueza e vacilação, o homem perdeu-se. Perdeu-se de si e dos outros. “(...) é mais fácil viver num sistema doutrinal” (Chomsky, 2010, p. 204) porque somos recompensados por ele. Mas nem por isso somos mais felizes. A verdade é que nos tornamos mais violentos, tristes e sós. “O mercado do mérito” (Sandel, 2020, p.133) é a forma mais dissimulada de infelicidade. Os pontos de chegada comuns são avaliados a partir de pontos de partida dissemelhantes.

Esta é a nossa sociedade espetáculo. Por nós construída, defendida e aceite. Aquela que, na sua indigência, nos obriga em algum ponto do caminho a encontrar e a dar um sentido para a vida. Longe do seu mecanicismo calculista, existe um tempo em que a reflexão do indivíduo assenta naquela parte de si mesmo que não revela nenhuma utilidade para o trabalho social.

Somos sós. É nessa solidão social, com grupos mais ou menos constantes, que nos obrigamos ao encontro. O encontro do homem consigo próprio. Fizemos com que os homens se tornassem indivíduos, isto é, todos são “mais um”. Mas também a alternativa era o Nada. Tudo vale pouco entre nós. Desvalorizamos aquilo que realmente é importa e que tem sentido, a saber, a felicidade.

O ideal de uma perfeita organização social significaria que o homem teria vencido totalmente a natureza exterior e que a liberdade humana seria alcançada na sua máxima extensão. Mas, mesmo neste caso, o homem continuaria a ser insatisfeito, pois o tédio tomaria o seu espírito e a imperfeição já não estaria nas coisas, mas nele.

A insatisfação gera violência. Algumas vezes, essa violência, avança pelas mãos dos que nos devem conduzir a ação cívica. Nos EUA tivemos o exemplo de “um presidente derrotado que [incitou] uma multidão furiosa invadir o Capitólio (...) (Sandel, 2023, p.17).”. Ou o caso da pandemia que matou mais de 6.919.573 pessoas e a nossa disputa assentava em máscaras e vacinas. Noutros casos, assistimos a insultos públicos entre os seus. A plateia assiste, divertida, e com um sinal de imanente desprezo por quem os deixa cair. Quem ganha com isso?

O desgaste da democracia é sintoma da decadência dos partidos políticos. Parece que não se consegue fugir a esse massacre de interesses circunstanciais sobre o futuro. Há quem chame a isso autofagia. A mim parece-me o eterno retorno. Verificamos, com facilidade, padrões políticos se repetem ao longo do tempo. Governos, sistemas e movimentos políticos podem seguir ciclos previsíveis de ascensão, estabilidade e declínio, apenas para recomeçar o processo. Creio, no entanto, que a política deve ser vista como algo que deve ser constantemente ajustado para evitar o declínio do homem livre. Não há vencedores e nem vencidos. A queda de um é a derrota de todos.

O nosso combate, como mulheres e homens de Bem, é contra a desigualdade e aos que estão mal-adaptados e incapazes a governar. Aos que pensam que os pobres são pobres por opção. Aos que se recusam a compreender Rosseau: “nenhum cidadão deve ser tão rico que seja capaz de comprar outro cidadão, e nenhum tão pobre que seja obrigado a vender-se a si próprio”. O mesmo deve se aplicar aos líderes políticos.