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Crónicas

Autonomia e Regionalismo

1. Disco: Continuando na senda dos discos que me acompanham, recomendo hoje o segundo álbum de estúdio do britânico Cat Stevens, “Tea for the Tillerman”. É considerado um dos mais importantes da carreira de Stevens e um clássico que ainda soa tão fresco e relevante hoje como quando foi lançado pela primeira vez em 1970.

2. Livro: “Linha da Frente”, de Arturo Pérez-Reverte, narra a história de amor entre dois jovens na Guerra Civil Espanhola. A obra, publicada em 2022, é o primeiro romance do autor sobre o conflito e combina ficção, factos históricos e testemunhos pessoais para criar uma narrativa envolvente e realista. A história de Luis e María, mostrando como o conflito afecta as suas vidas e os seus relacionamentos. Pérez-Reverte é um escritor hábil que consegue criar personagens complexos, verosímeis e cativantes que acompanhamos com interesse. É um livro duro e envolvente, podendo ser, por vezes, demasiado pesado.

3. Autonomia e regionalismo são conceitos intrinsecamente ligados à organização política e administrativa de um país. Embora frequentemente utilizados como sinónimos, estes termos carregam “nuances” distintas que merecem uma análise aprofundada. Proponho-me a explorar as diferenças fundamentais entre autonomia e regionalismo, examinando as suas origens, implicações e potenciais impactos nas dinâmicas sociais e políticas. Têm sido temas recorrentes e muitas vezes mal utilizados, daí a importância de podermos reflectir sobre eles e concluir das suas diferenças.

A autonomia refere-se à capacidade de uma entidade política ou administrativa de tomar decisões independentes num quadro definido por uma autoridade superior. Em sistemas políticos descentralizados, a autonomia é muitas vezes concedida a regiões específicas, permitindo-lhes legislar e governar certos assuntos internos sem intervenção direta do governo central. No caso português, a autonomia é uma característica proeminente, evidenciada pelas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

São por demais evidentes os benefícios socioeconómicos que a autonomia pode proporcionar. A capacidade de tomar decisões locais deve permitir que as regiões adaptem políticas económicas e sociais às suas necessidades específicas. Nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, vemos exemplos de investimentos direcionados para impulsionar sectores como o turismo, a agricultura ou as energias renováveis. Essas iniciativas são muitas vezes moldadas por uma compreensão profunda das características próprias e locais, o que pode resultar em estratégias mais eficazes de desenvolvimento económico.

No entanto, é essencial que a autonomia não seja interpretada como um isolamento das regiões do todo nacional. A colaboração entre as regiões autónomas e o governo central é vital para garantir uma abordagem coerente e coordenada em áreas que transcendem as fronteiras regionais, como a política externa, representação do Estado, a defesa nacional, a segurança interna, a justiça.

Sabedores que somos que as origens da autonomia remontam a movimentos históricos que buscavam descentralizar o poder e reconhecer as peculiaridades regionais, é crucial destacar que a autonomia não questiona a soberania, se o fizer deixa de o ser e assume-se como independentismo.

O regionalismo, por outro lado, coloca a ênfase na identidade e nas características distintivas de uma região específica. Enquanto a autonomia está centrada na atribuição de poderes e responsabilidades, o regionalismo destaca a importância da preservação cultural, histórica e social de uma determinada área geográfica. Em Portugal, o regionalismo é muitas vezes associado às diferenças entre o Norte e o Sul do país, bem como às singularidades das diversas regiões do continente.

Regionalismo, mesmo podendo, não implica necessariamente uma busca por autonomia política, pode ser uma expressão de diversidade e riqueza cultural. No entanto, quando combinado com a busca por autonomia, o regionalismo pode tornar-se um catalisador para reivindicações mais amplas de governo próprio.

Portugal, com as suas características geográficas e históricas singulares, serve como um interessante laboratório para o estudo destes conceitos. As regiões autónomas dos Açores e da Madeira têm desfrutado de um grau significativo de autonomia desde 1976. Este processo foi impulsionado por uma compreensão das necessidades específicas destas regiões, como as peculiaridades económicas, sociais e geográficas.

O regionalismo, ao enfatizar a identidade cultural e histórica de determinadas áreas, desempenha um papel crucial na construção da identidade nacional. Em Portugal, as festas regionais, tradições locais e até mesmo as diferentes formas de expressão artística contribuem para a riqueza da identidade nacional. O desafio reside em garantir que essa diversidade não se transforme em divisão, mas sim numa força unificadora que enriquece a experiência nacional.

A celebração da diversidade regional pode ser uma fonte de orgulho e coesão, desde que acompanhada por um sentido de pertença à nação na sua totalidade. A promoção activa das tradições regionais, o apoio a eventos culturais locais e a incorporação do conhecimento histórico nas políticas educacionais, são meios pelos quais se pode fortalecer a ligação entre a diversidade regional e a identidade nacional.

A identidade do Minho é diferente da do Alentejo, a da Madeira diferente da dos Açores, e essa diversidade tem sido valorizada como um elemento enriquecedor da nação portuguesa.

As diferenças entre autonomia e regionalismo têm implicações significativas em várias esferas. Politicamente, a autonomia pode promover uma gestão mais eficaz e sensível das questões locais, enquanto o regionalismo pode fomentar uma maior participação cívica ao reconhecer e celebrar as identidades locais. No entanto, a busca excessiva por autonomia pode ameaçar a coesão nacional, enquanto um regionalismo demasiado exacerbado pode fragmentar a unidade do Estado.

As implicações sociais também são notáveis, pois a autonomia e o regionalismo influenciam o modo como as comunidades se percebem e interagem mutuamente. Uma abordagem equilibrada, que reconheça a diversidade sem comprometer a unidade, é crucial para promover uma sociedade coesa e inclusiva.

A compreensão das diferenças entre autonomia e regionalismo é essencial para forjar políticas que respeitem a diversidade sem comprometer a integridade do Estado. Encontrar o equilíbrio entre a autonomia necessária para atender às especificidades regionais e a preservação da identidade nacional é um desafio constante, mas é um desafio que, se bem enfrentado, pode fortalecer a coesão e a vitalidade da nação.

O caminho é para a frente.

4. Tive a oportunidade de ler esta semana uma declaração do Presidente da Secção Regional do CHEGA-Madeira, onde defendia a “reforma profunda nas regiões autónomas”. Folgo em sabê-lo, apesar de avançarem pouco mais do que isto.

A conversa não muda e ficamos sempre sem saber de que consta essa reforma, qual o seu procedimento e como será efectuada.

O que pensam sobre a Revisão Constitucional? O que pensam sobre a revisão do Estatuto Político Administrativo? Sobre a revisão da lei eleitoral regional? Sobre o papel da ALRAM? Sobre a Lei das Finanças Regionais? Sobre o Sistema Fiscal Próprio? Sobre a relação das Autonomias com os órgãos de poder nacionais e europeus? Reorganização administrativa? Papel das autarquias? Medidas de redução da máquina do Estado? Incompatibilidades? Descentralização?

Não há reforma nenhuma da Autonomia sem se responder a grande parte das questões acima.

E entendam isso como quiserem.

5. Todos os debates sobre mudanças no nosso sistema político, devem ser conduzidas com a máxima transparência e abertura. O Parlamento deverá ocupar o lugar central no debate, que se quer alargado a organizações da sociedade, partidos políticos e autarquias.

Todos os procedimentos e debates devem ser abertos e as sugestões do cidadão também devem ser tomadas em conta. Debate amplo e elevado entre todos os que nele queiram participar.

Esta Autonomia é centralizadora. Não reformou o sistema de eleição, avançando para círculos uninominais e um círculo de compensação regional; não remodelou o sistema político, mantendo-se a partidocracia em que vivemos; pouco fez para que no Ensino se fizesse a reforma de que tanto precisa, soltando-se dos corporativismos; não deu nenhum passo no sentido de criar um sistema fiscal próprio de fiscalidade reduzida; pouco fez no que ao ambiente diz respeito, etc.

A Autonomia tem de lutar contra a apatia e para isso tem de ser provocadora. Melhorar a Autonomia passa por tudo fazer para diminuir o problema que a falta de escala representa, ampliar e melhorar o modo do seu funcionamento, repensar os modelos de participação e fiscalizar a execução.