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Falta de médicos

Em recente almoço de amigos, alguém afirmava que os problemas que estão a acontecer nas unidades de saúde, hospitais e centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS) se devem à falta de médicos. Algum conhecimento do sector, levou-me a contestar, embora reconhecendo que é voz corrente essa ideia e que somos bombardeados diariamente, em jornais, redes sociais e telejornais, com essa afirmação.

A falta de médicos nas urgências em Portugal é uma questão complexa que pode ser atribuída a diversos fatores, entre eles, à escassez de médicos. No entanto, de acordo com dados recentes do Eurostat, em Portugal, há cerca de 4,4 médicos por 1.000 habitantes.

Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal tinha, em 2019, comparando com a média da União Europeia (EU), que era de aproximadamente 3,6 médicos por 1.000 habitantes, um número um pouco maior de médicos (5,4 médicos por cada 1000 habitantes), podendo haver diferenças regionais dentro de cada país. Essas informações podem não refletir a situação atual.

Portugal era, em 2021, o segundo Estado-membro da União Europeia (UE) com mais médicos autorizados a exercer por 100 mil habitantes, num total de 1,82 milhões de profissionais em exercício no bloco comunitário, segundo dados do Eurostat.

Em 2023, estima-se que o rácio de médicos por população em Portugal tenha diminuído ligeiramente.

Embora em Portugal o rácio de médicos por 1000 habitantes tenha subido 74% nos últimos 20 anos, a realidade do dia-a-dia mostra-nos um panorama bastante diferente.

Em Setembro de 2023 era noticiado que faltavam cerca de 600 médicos em sete unidades de saúde do SNS, que representavam 16 hospitais e 23 centros de saúde. Todos os dias somos confrontados com notícias que dão conta do encerramento de muitos e diversos serviços de hospitais devido à falta de médicos (e de enfermeiros). Há especialidades que se destacam: ginecologia/obstetrícia, anestesiologia, medicina interna, cirurgia geral e medicina geral e familiar.

O envelhecimento da população em Portugal tem contribuído para o aumento da demanda por serviços de saúde, incluindo as urgências, o que sobrecarrega, ainda mais, o sistema de saúde.

O Ministério das Finanças aprovou, até ao momento, apenas 19 dos 44 Planos de Atividade e Orçamentos (PAO) entregues em 2023, um documento que serve para identificar as necessidades dos quadros.

Uma forma de combater a falta de clínicos é o regime de prestação de serviços. Horas contratadas a empresas prestadoras de serviços médicos que somam, anualmente, cerca de 97 mil horas. Até à contestação dos sindicatos médicos (e da Ordem), as horas extraordinárias prestadas pelos médicos também ajudavam a mascarar a situação.

Formar um médico custa cerca de 100 mil euros, seja no público ou no privado, e não se consegue em menos de 10, 12 anos (pós ensino secundário).

A saída de alguns profissionais para o estrangeiro, a aposentação de uma parte significativa dos médicos e a insuficiência de vagas para a formação especializada são factores que contribuem para a situação actual. A pandemia COVID-19 também teve um impacto negativo na disponibilidade e na satisfação dos médicos, bem como na perceção dos utentes sobre o SNS. Assim, é necessário reforçar o investimento na formação, na contratação e na valorização dos médicos em Portugal.

Para garantir uma prestação de cuidados de saúde adequada, equitativa e sustentável, para inverter a degradação das condições da prática clínica no SNS, é urgente rever as condições de trabalho e recuperar as carreiras médicas para aproveitar melhor o potencial dos médicos de excelência que formamos e que acabam por optar por trabalhar no setor privado, social ou no estrangeiro onde têm melhores condições de trabalho e progressão na carreira e melhores remunerações. É, igualmente, urgente uma reorganização e reestruturação do SNS.