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O novo hospital e a preciosa terra agrícola

Nestes conturbados tempos actuais, tem-se assistido a um regresso à terra na busca do sustento indispensável ao ser humano enquanto complexa máquina biológica, que ainda não consegue suprir as suas necessidades alimentares mastigando cartões de crédito, ou tentando digerir certificados de acções ou extractos bancários.

Num meio insular como o nosso, extremamente dependente do exterior e de economias que não controlamos, a carência alimentar agudiza-se sempre em períodos de isolamento, de conflitos, da redução mais ou menos drástica dos diversos transportes de carga, etc. Quem tem a sorte de possuir um naco de terra, consegue, se assim o quiser, minimizar significativamente os efeitos da escassez ou do racionamento alimentar.

Ao lermos a História dos seis séculos de ocupação deste território, encontramos relatos, não tão pouco frequentes como possamos supor, de períodos de grande escassez alimentar, e consequentemente, de fome. O valor que as gerações que nos antecederam davam à terra, foi notório, ao ponto de construírem terra agricultável com a edificação em socalcos de muros de pedra, que preenchiam com terras, muitas vezes vindas de longe aos ombros de gente estóica.

No entanto, a partir do último quartel do Séc. XX tudo isto mudou, com o deslumbramento do consumo, e com a obtenção de dinheiro fácil, na voragem alucinante da venda ao metro quadrado dos melhores terrenos agrícolas.

Mas, na Natureza nada mudou, e as batatas não se cultivam no asfalto, nem tão pouco as couves conseguem desenvolver-se no betão.

Agora, já bem avançados no Séc. XXI, continuamos a não valorizar os nossos solos agrícolas e a cometer os mesmos erros, os quais, as gerações vindouras com certeza não os perdoarão.

Com a construção do novo hospital, vamos deitar fora, enviar para o lixo, qualquer coisa como 50.000 camiões de terras agrícolas de primeira qualidade, os chamados Andossolos de classe A. Esses terrenos, agora considerados indesejáveis, foram acarinhados e enriquecidos por várias gerações que deles tiraram o seu sustento, e mantiveram a sua quota parte da autonomia familiar.

Quando da construção do Hospital Central do Funchal, na última década de setenta, ficaram na altura reservadas consideráveis parcelas de terreno anexas, antevendo uma possível ampliação daquelas instalações hospitalares. Entretanto, essa possibilidade esgotou-se com a construção da escola Dr. Horácio Bento de Gouveia, levada a cabo pelo Governo Regional. Com os actuais decréscimos da natalidade, e consequentemente da população escolar, não seria oportuno voltar à ideia inicial de aí proceder à ampliação do actual hospital? Seria quanto a mim, uma medida de grande rasgo e visão, e um excelente contributo para a adequada gestão do território.

E os terrenos de Santa Rita continuariam a manter e a honrar a actividade para a qual estão naturalmente vocacionados, a Agricultura.

Até aos dias de hoje, fomos incapazes de constituir a Reserva Agrícola Regional, e será que a autonomia tão propalada deve cingir-se quase apenas a questões de ordem política e administrativa? Será que não se deveria ter apostado numa tanto quanto possível auto-suficiente produção agrícola, valorizando sem tibiezas o nosso Sector Primário e os nossos recursos endógenos?

Nunca é tarde para apontar ao rumo certo, olhando mais além...

Enquanto desempenhei funções de vereador na C.M.F., por ocasião de revisão do Plano Director Municipal (PDM), fui um defensor acérrimo da constituição da figura da Reserva Agrícola Municipal (RAM), moderna e projectada para o futuro. No entanto, dos meus colegas de carteira, obtive tão só a frontal oposição de uns, enquanto outros se remeteram ao conforto do silêncio. Dessa contenda, saí derrotado, mas não vencido.

Lamentavelmente, não alimento ilusões quanto a uma nova e lógica estratégia. Como medida de último recurso, e sabendo que o governo chinês, precavendo o futuro, está a transportar para o seu país enormes quantidades de terra agrícola – top soil, proveniente de países do litoral oriental de África, talvez não fosse má ideia contactar essa gente, que, de uma assentada, num navio apenas nos faziam o favor de “livrar-nos” das terras que agora queremos deitar fora. Ao menos assim, esses terrenos continuariam a ser úteis à humanidade, embora noutras latitudes.

Por motivos bem mais frívolos, propusémo-nos carregar areia da ocidental costa africana.

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