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Professores portugueses alertam para disparidades entre colégios e escolas públicas

Foto Lusa
Foto Lusa

As salas de aulas estão vazias há mais de um mês e, apesar dos esforços do ensino à distância, os professores alertam para o agravamento das desigualdades sociais e avisam que “a escola deixou de ser acessível a todos”.

Ana Rita Lourenço dá aulas numa escola de 1.º ciclo situada num bairro problemático de Lisboa. “Estou completamente angustiada”, desabafou a professora, que se separou dos alunos em meados de março, devido ao encerramento dos estabelecimentos de ensino por causa da pandemia de covid-19, e poucas são as notícias que vai tendo.

As aulas síncronas na sua escola começaram hoje, mas Ana Rita Lourenço já adivinhava que teria poucos alunos a participar. Muitos não têm e-mail e quase nenhuns mantêm os contactos de telefone atualizados.

“Tenho dois ou três emails e dois ou três números de telemóvel, muitos também não têm computador. Em toda a escola, apenas uma família tem impressora em casa”, contou à Lusa, explicando que os trabalhos têm chegado a casa dos alunos com a ajuda da Junta de Freguesia, que entrega tudo em papel.

Ana Rita Lourenço não culpa os pais: “Neste momento, a preocupação deles é sobreviver, não é a escola”. Das famílias com quem tem conseguido manter contactos, vão chegando histórias preocupantes, como uma mãe que ligou a pedir ajuda porque não tinha comida para os filhos. “Com realidades destas não vamos conseguir avançar na matéria nem sequer manter o ritmo de trabalho”, desabafa.

Nesta escola, a principal preocupação dos professores é garantir que as crianças estão bem. A maioria dos meninos é filho de feirantes, de trabalhadores de supermercados ou de outros serviços que continuam a funcionar durante a pandemia da covid-19.

“Há crianças sozinhas em casa. Mas agora ninguém sabe o que se passa com elas. Estão ao abandono”, alertou.

Ana Rita Lourenço afirmou que “os miúdos não ficaram mais pobres, mas antes tinham a garantia das refeições escolares e havia um acompanhamento”, explicou, contando que pouco antes de as escolas encerrarem aperceberam-se de uma menina que era vítima de violência doméstica. Chamaram a polícia e foi retirada da família, recordou.

A sua escola está classificada como Território Educativo de Intervenção Prioritário (TEIP) e “a meta traçada para os meninos é diferente das metas de outras escolas”. Ali não se preparam alunos “para serem todos doutores, mas para saberem pensar, estar em sociedade e saberem escolher o que é melhor para eles”, explicou.

“Mas agora, por mais que me esforce, sinto que não consigo nem vou conseguir”, desabafou a professora que teme que “as assimetrias entre alunos ainda vão aumentar mais”.

A Lusa falou com professores de vários níveis de ensino, de escolas públicas e colégios privados, e todos admitem que as desigualdades se estão a agravar. Também os diretores escolares têm alertado para este problema desde que o Governo mandou encerrar as escolas, a 16 de março.

Enquanto na escola TEIP de Lisboa os professores estão preocupados com a sobrevivência dos seus alunos, num colégio de Oeiras o trabalho avança a todo o vapor.

Joana Pereira também dá aulas a crianças do 1.º ciclo. “Todos têm computador em casa e neste momento há aulas de 45 minutos por videoconferência de manhã e à tarde”, contou à Lusa.

Depois das aulas, a professora está disponível no ‘chat’ para ir respondendo às dúvidas de alunos, que muitas vezes surgem pela mão dos pais. “Durante as aulas síncronas, os pais estão ao lado a ajudar as crianças”, contou à Lusa.

Já na escola de Ana Rita Lourenço há vários pais que nem sequer sabem ler nem escrever. Haverá ainda cerca de meio milhão de analfabetos em Portugal, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados no Censos de 2011. A maioria é idosa e vive em zonas do interior, mas existem outros 30 mil em idade ativa, ou seja, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos.

Numa outra escola pública da zona de Lisboa, onde o professor Custódio Ribeiro dá aulas, ainda há alunos sem computador ou acesso à Internet para conseguir acompanhar as aulas das plataformas digitais ou para fazer os trabalhos.

Na sua turma, Custódio Ribeiro tem uma aluna nesta situação e não baixou os braços até encontrar uma solução: “Deixo os trabalhos de casa em formato papel no emprego de uma vizinha da aluna. Quando a senhora vai para casa, faz o favor de lhe entregar os trabalhos de casa”.

Na escola de Custódio Ribeiro há mais casos de alunos sem equipamentos e agora o agrupamento está a tentar encontrar soluções para estas crianças.

Mais de 5% das famílias com filhos até aos 15 anos não têm Internet, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística relativos ao ano passado, e sem ela não é possível aceder às aulas virtuais.

Para minimizar esta situação, o Ministério da Educação iniciou hoje um programa de aulas transmitidas diariamente pela televisão para os alunos do 1.º ao 9.º ano de escolaridade.

Elvira Sousa dá aulas de Português a duas turmas de uma escola em Vila Nova de Gaia e sabe de cor quantos dos seus alunos estão “desligados” e são cinco: “Dois não têm equipamentos e os outros três são alunos com necessidades educativas especiais e por isso também precisam de outro tipo de apoio”, contou à Lusa.

Depois há os casos em que os professores desconfiam que os meninos se sentem sozinhos em casa, como uma aluna de Elvira Sousa que “está sempre a enviar e-mails a fazer perguntas”: “Ela não precisa e por isso eu acho que os envia para se sentir acompanhada. E eu respondo”.

Portugal regista 735 mortos associados à covid-19 em 20.863 casos confirmados de infeção, segundo o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.

Portugal cumpre o terceiro período de 15 dias de estado de emergência, iniciado em 19 de março, e o decreto presidencial que prolongou a medida até 02 de maio prevê a possibilidade de uma “abertura gradual, faseada ou alternada de serviços, empresas ou estabelecimentos comerciais”.

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