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Da corrupção à irradicação da pobreza

Se a economia é a ciência dos recursos escassos, a pobreza, ao impedir uma parte da população de realizar plenamente o seu potencial, é um desperdício do recurso mais precioso que temos, que são as pessoas.

A corrupção também desperdiça recursos quando os desvia das elites extractivas, subtraindo-os ao bem estar de todos. Além disso, gera pobreza, porque torna o país menos próspero e é utilizada por uma pequena minoria para acumular riqueza.

O momento que atravessamos é especialmente crítico porque vem aí um pacote financeiro da União Europeia e por isso temos de ter a certeza de que não há nem um cêntimo mal gasto neste pacote e para isso precisamos de transparência e muita participação cívica.

Com a chegada de milhares de milhões de euros que vão ser despejados no nosso país, pela União Europeia, a corrupção vai crescer. Toda a gente sabe – pelo menos agora – que a corrupção, no nosso país, não poupa nenhum sector de actividade ou profissão. É um problema cultural com séculos de existência e que tem sido tratado sempre com excessiva parcimónia pelo poder político.

Por isso “a adopção de medidas de prevenção e combate à corrupção, de defesa da transparência dos processos decisórios e dos seus resultados, considerando-se essencial para alcançar estes objectivos a instituição de mecanismos de escrutínio baseados em sistemas de informação sólidos, rigorosos e acessíveis” disse António Costa no documento “Análise dos Contributos da Consulta Pública”. Já a Secretária de Estado Ana Paula Zacarias, dias depois, quando questionada pelos jornalistas socorreu-se dos tribunais, por um lado, e dos mecanismos de fiscalização da própria Comissão Europeia na utilização dos fundos europeus, por outro.

Na minha opinião a corrupção combate-se em dois momentos. O primeiro é no momento da decisão de atribuir determinado contrato ou de aplicar certo fundo europeu. Esta parte garante-se com transparência, processos mais claros e participados. Os tribunais entram em jogo num segundo momento, que é posterior à atribuição dos contratos, no caso de haver suspeita de actos ilícitos.

Quanto ao segundo momento, o sistema judicial em Portugal é lento e insuficiente e o crime compensa porque o património fica nas mãos de quem dele se apropria ilicitamente até à eternidade.

Cada um de nós, mesmo quando professamos grandes preocupações de justiça social no mundo, quando vamos comprar camisas ou sapatos, por exemplo, não estamos a pensar nas condições de vida dos operários que, algures na China, na India ou sabe-se lá onde, os produziram mas sim se são apropriados à necessidade que nos leva a essa compra e se são suficientemente baratos, para nos deixar mais rendimento disponível para outras coisas.

No entanto a frase de Adam Smith que “não é da benevolência do talhante, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da sua preocupação pelo seu próprio interesse” é frequentemente invocado para justificar a maximização do interesse próprio de cada um como principal fundamento da economia de mercado, sendo descontextualizada, pode conduzir facilmente, e muitas vezes conduz, à exaltação da ganância e do egoísmo como alicerces saudáveis da vida económica, o que não é necessariamente verdade.

Por isso ao ler a “Teoria dos Sentimentos Morais”, verificar-se-á que o mesmo Adam Smith também aí escreveu que “O Homem sábio e virtuoso está sempre disponível para sacrificar o seu próprio interesse privado ao interesse público da sua ordem ou sociedade”. Mas isto é outra história, outros tempos, outras realidades…

Quanto à ideia de que vamos garantir que os fundos são bem utilizados com os sistemas de controlo da UE, também não é por aí. Uma coisa é a UE verificar que o dinheiro é usado no que se esperaria – uma empresa que obteve fundos para uma tecnologia mais verde terá de comprovar que foi nessa tecnologia que gastou o dinheiro e não num barco para o dono. Outra coisa, muito diferente é termos um processo de decisão transparente e participado que garanta que escolhemos a empresa certa para investir o dinheiro da “bazuca”.

É claro que, quanto mais diversas forem as escalas dos intervenientes, mais difícil será a eficácia da acção política, quer se trate da sua formulação, quer se trate da sua concretização. Por isso, as sociedades que melhor conseguem articular o seu funcionamento e a sua acção política são aquelas em que é possível criar consensos morais para a acção política. Sejam estes consensos espontaneamente estabelecidos pelo próprio funcionamento da sociedade e vertidos numa moralidade social que orienta, também espontaneamente, a actuação dos vários agentes sociais.

Não creio que esta crise sanitária e moral possa ser totalmente desligada de uma crise social mais profunda, a crise de valores. Como é sabido, a perda de referências religiosas retirou, sem que tivessem emergido substitutos adequados valorativos em que tradicionalmente assentavam a moralidade que a sociedade procura estabelecer para a sustentada prossecução do seu bem.

A riqueza material e a sua ostentação tornaram-se os objectos dominantes do reconhecimento social orientando os comportamentos na sua direcção.

Independentemente de qualquer outro julgamento que se queira associar, tal quadro de valores é incompatível com a prossecução duradoura do bem comum de uma comunidade e, por conseguinte, mais cedo ou mais tarde, essa inconsistência acabará por levar a roturas de maior ou menor gravidade. Como é, com a maior gravidade, o caso da crise presente.

Num país com mais de 1,5 milhões de pobres não podemos deixar de contribuir ou, pelo menos aliviar, a sua marginalização e o seu sofrimento.

Estender a mão é um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor e que, apesar da “malvadez e da violência, da prepotência e da corrupção”, a vida está tecida por actos de respeito e generosidade, que não só compensam o mal, mas impelem a ultrapassa-lo permanecendo cheios de esperança, como nos diz o Papa Francisco.

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